Objeto de acessão natural, coisa acedente que se designa fluvial (gênero que comparte com alguma forma de aluvião), o álveo abandonado já se conhecia no direito romano em favor dos proprietários de imóveis ribeirinhos, desde que se referisse a prédios delimitados por acidentes naturais. Assim, o permanente abandono das águas de um rio fronteiriço acede algo ao ager arcifinalis: imóvel que não foi medido e delimitado por agrimensores, diferentemente do ager limitatus, terreno cujos lindes –finis linearis– são marcos externos artificiais.
A emersão de uma ilha, que os romanos entendiam caracterizar abandono de álveo, parece, no Direito brasileiro atual (Decreto 24.643, de 10-7-1934 –Código de Águas), alistar-se antes como aluvião, como se lê no art. 16: “Constituem «aluvião» os acréscimos que sucessiva e imperceptivelmente se formarem para a parte do mar e das correntes, aquém do ponto a que chega o preamar médio, ou do ponto médio das enchentes ordinárias, bem como a parte do álveo que se descobrir pelo afastamento das águas” (o itálico não é do original).
O mesmo Código brasileiro de Águas define o álveo “a superfície que as águas cobrem sem transbordar para o solo natural e ordinariamente enxuto” (art. 9º), álveo que “será público de uso comum, ou dominical, conforme a propriedade das respectivas águas; e será particular no caso das águas comuns ou das águas particulares” (art. 10).
Elencado em nosso Código civil de 2002 entre os modos de aquisição de domínio (inc. IV do art. 1.248), o abandono de álveo tem seus efeitos ali estatuídos: “O álveo abandonado de corrente pertence aos proprietários ribeirinhos das duas margens, sem que tenham indenização os donos dos terrenos por onde as águas abrirem novo curso, entendendo-se que os prédios marginais se estendem até o meio do álveo” (art. 1.252), na linha do que já se previa no Código civil brasileiro de 1916 (art. 544).
O Código de Águas, no entanto, disciplina mais especificadamente a matéria: arts. 10, §§ 1º e 2º, 16, §§ 1º e 2º, 17, quodammodo 23 a 25, e 26 a 32.
Por tratar-se de acessão natural, o abandono de álveo não é modo aquisitivo constituído pelo registro, a quem incumbe apenas a tarefa de publicá-lo declarativamente. A situação factual, repercutindo na descrição do imóvel objeto, corresponde a um quadro de discordância registral superveniente, admitindo-se o processo de retificação de registro previsto no art. 213 da Lei 6.015, de 1973, sem interdição das vias judiciais, administrativa (caput do art. 212 da mesma Lei) ou contenciosa (par.único do art. 212).