Anuência

Com o termo anuência compreende-se uma série de acepções acercadas entre si: o ato de anuir (Laudelino Freire) é de aprovar, aceitar, assentir, autorizar, consentir, e, portanto, anuência é aprovação, aceitação, assentimento, autorização, consentimento, aquiescência.

 

O vocábulo anuência deriva do latim, do particípio presente do verbo annuo (consentir, confirmar, achar bem, favorecer, etc. –Torrinha), mais especificamente do plural nominativo neutro annuentia.

 

Nosso Código civil de 1916 usou esse termo em três artigos (132, 783 e 1.100), valendo-se sete vezes do verbo anuir (arts. 576, 625, par.ún., 657, 803, 868, 979 e 1.098, par.ún.), e o Código civil brasileiro de 2002 usou do substantivo anuência 15 vezes (arts. 111, 206, inc. II, a, 220, 438, 439, par.ún., 621, 742, 787, § 2º, 81, § 3º, 1.358-L, 1.365, par.ún., 1.440, 1.457, 1.488, § 3º e 1.663, § 2º), e do verbo anuir, três vezes (arts. 237, 436, par.ún, e 1.436, § 1º). Quanto ao Código de processo civil de 2015, confiram-se os arts. 222, § 1º, 840, § 2º, 847, § 3º e 998.

 

A anuência, de comum, é expressa, mas pode ser tácita, assim o permite o art. 111 do Código civil brasileiro: “O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa”.

 

Célebre é o aforismo canônico qui tacet consentire videtur –quem cala, parece consentir–, ou, em expressão mais ampla e apropriada: qui tacet, ubi loqui debuit ac potuit, consentire videtur, em que a intercalada ubi loqui debuit ac potuit manifesta tanto o dever (ou, quando o caso, o ônus), quanto a capacidade de falar. Trata-se de juridicamente entender relevante a circunstância de que, em determinadas situações, tendo alguém a capacidade e a obrigação ou ônus de falar, sua omissão implica anuência (pode substituir-se o infinitivo verbal consentire pelo infinitivo annuire, exprimindo-se, então, qui tacet, ubi loqui debuit ac potuit, annuire videtur).

 

Quase nunca é tranquila a conclusão sobre a pertinência da aplicação em concreto da anuência tácita (art. 111 do Código civil), assim o fez ver Torquato Tasso, ao dizer que “o silêncio, qualificado ou não, interpretado por meio de numerosas chaves de leitura, oferece-se ao intérprete sempre como uma realidade enigmática” (in Il silenzio della pubblica amministrazione, 2004, p. 115).

 

Menos incômoda, entretanto, é a anuência tácita a propósito do negócio jurídico da doação pura (é dizer que não se estende a aceitação implícita às doações modais: “se o donatário não se manifestou, a doação sujeita a encargo deve ser havida como recusada” –Carvalho Santos). Dispõe, com efeito, o mesmo Código civil brasileiro, em seu art. 539: “O doador pode fixar prazo ao donatário, para declarar se aceita ou não a liberalidade. Desde que o donatário, ciente do prazo, não faça, dentro dele, a declaração, entender-se-á que aceitou, se a doação não for sujeita a encargo”.

 

Essa “aceitação tácita” (Clóvis Beviláqua) já se previra no Código civil nacional de 1916 (art. 1.166), precedida de norma do BGB alemão (segunda parte do § 516: “Se a atribuição [da coisa doada] se realizou sem a vontade do outro [donatário], o doador pode requerer-lhe, com a indicação de prazo prudencial, uma declaração sobre a aceitação. Depois do transcurso do prazo, vale como aceita a doação, se o outro [donatário] não a recusou antes”.

 

Mas, prevista no Código brasileiro de 1916, a anuência implícita teve de enfrentar a sobrevinda a regra art. 218 da Lei brasileira 6.015/1973 (de 31-12), dispondo que “nos atos a título gratuito, o registro pode também ser promovido pelo transferente, acompanhado da prova de aceitação do beneficiado” (o itálico não é do original).

 

É algo que ainda se ressente de controvérsia. Está bem que, confirmada a concessão de “prazo ao donatário, para declarar se aceita ou não a liberalidade” (art. 539 do Código civil), deve presumir-se a anuência ou aceitação. Marcelo Berthe, por exemplo, observou, a propósito, que a prova da “falta de recusa” do donatário “é difícil”, concluindo em que, nada obstante, “não pode, por isso, ficar impedido o registro”. Walter Ceneviva, abonando doutrina de José Mário Junqueira de Azevedo, também se inclina a essa posição, ressalvando que o donatário possa promover o cancelamento do registro, se preferir recusar a doação.

 

Parece diverso o entendimento de Valmir Pontes, para quem, faltante a anuência expressa do donatário, abre-se a alternativa de o doador valer-se da interpelação judicial, do bojo de cujos autos se extrairia a prova segura de seu silêncio.