Atos Protocolares e Extraprotocolares (primeira parte)

O adjetivo «protocolar» é correlato do substantivo «protocolo», palavra esta que, assim o indica Antônio Geraldo da Cunha, chegou à língua portuguesa a partir do francês protocolaire, que, lê-se no petit Robert, é adjetivo “relatif au protocole”, e protocole é não só, entre várias suas acepções, a etiqueta, o cerimonial, a convenção, o procedimento (assim, o terapêutico; e, no âmbito jurídico, o conjunto de requisitos a observarem-se pelos escrivães –a palavra tem este sentido na Novela 44 de Justiniano –cf., a propósito, brevitatis causa, Giménez-Arnau, Derecho notarial), a lista de sinais, mas também, prossegue o dicionário de Robert, o conjunto de fórmulas para os atos públicos.  Além disso, o vernáculo «protocolar» também é a variação brasileira do verbo «protocolizar»: inscrever em protocolo, registrar (Celso Pedro Luft, Abc da língua culta).

              Termo de múltiplas acepções, bem por isso não surpreende a controvérsia acerca de sua etimologia.

             Que os vocábulos românicos (o francês protocole, o italiano protocollo, o castelhano protocolo, o romeno protocolul, o português protocolo) provenham, contudo, do latim protocollum, i, não parece impugnável, e tampouco parece negar-se que isso indique uma importação mais remota do grego πρωτόκολλον. Pρωτός significa o que é primeiro, o que é principal (cf. Moacyr Costa Ferreira, Dicionário de afixos greco-latinos): muitas palavras gregas prefixam-se quer com πρo (ou seja, usando o ômicron −o), quer com πρω (utilizando o ómega -ω), e, tanto numa, quanto noutra destas formas, trazem o sentido de primeiro, primazia, precocidade, prematuração; πρωτόγονος: primogênito; πρωτόπολις: o primeiro da cidade; πρό −ao princípio, prematuramente (vidē Isidro Pereira). Esse prefixo acedeu ao substantivo feminino ou ao verbo kolla (cf. Robert, Rodrigo Fontinha, Antônio Geraldo da Cunha), e neste ponto já não se pode afastar a controvérsia: kolla é colar, soldar, unir estreitamente (Isidro Pereira), mas também, assim o sustenta Fernández Casado (Tratado de notaría, tomo I, p. 613), indica a ideia tanto de «reunião», quanto «lugar» e de «parte», e não falta que se diga significar «cotejo», «confrontação» (cf. Giménez-Arnau).

              Abstraída a controvérsia da significação do grego kolla, tem-se historicamente a expressão latina prima collatio para referir o protocolo, e collatio, collationis é reunião, ajuntamento (Francisco Torrinha), de que segue entender-se por «protocollum» a primeira reunião, as primeiras escritas («prima literarum colattio in charta»), correspondendo, por exemplo, nas práticas notariais italiana e hispânica, à minuta estendida sobre um livro borrador, um rascunho («imbreviatura»), pois, com que se resumiam os pontos principais de um contrato que, adiante, haveria de extensamente concluir-se  (pondo-se «in publicam formam redactum» -cf. Bono).

              Que se tratasse, assim, de primeiras notas com algum caráter público aparenta dar ainda prova o protocollum seu capibrevium, livro que, usado em Barcelona, servia para recolher, após a morte do testador, do conteúdo de seu testamento que, antes do óbito, era mantido em segredo («ad partem in cedulis», vidē ainda José Bono, Historia del derecho notarial español, tomo I, p. 301).

              O borrador –ou minutario– era um livro de bolso («cuaderno borrador de bolsillo») que o escrivão portava e no qual, ao tempo mesmo em que se solicitava sua atuação, redigia um breve apontamento que, no entender de Rafael Núñez Lagos, correspondia a uma dada herança das antigas notícias dorsal (consistente esta notícia em uma referência sumária que se lançava no dorso –lado exterior– do documento, a saber, na altura, escrito em pergaminho) ou marginal (que se redigia na margem superior ou inferior do anverso –lado interior– do documento –cf. Bono). Observou Giménez-Arnau que, provavelmente, a minuta constante do borrador fosse subscrita “por las partes, con su firma o con sus cruces, para evitar informalidades y arrepentimientos”).

              E se o Fuero Real  castelhano já prescrevia devesse o escrivão guardar as minutas (ou «notas primeras»), o Libro de las leyes (ou seja, as Siete Partidas que se expediram por Alfonso X, no século XIII) trouxe, na terceira partida –que é a dedicada à administração da justiça– o preceito de que deveriam os escrivães ter «un libro por registro en que escrivan las notas de todas las cartas», de modo que, prossegue o texto dessa lei (9ª do título 19), «si la carta se perdiere, o veniere alguna dubia sobre ella, que se pueda provar por alli…». Instituía-se, deste modo, em Castela, o livro do protocolo notarial, que os glosadores já designavam de matrix ou scriptura matrix.

              Prosseguiremos.