Averbação (primeira parte)

            A palavra averbação –ou ainda: averbamento– significa, de modo mais geral, o ato de averbar, e averbar é escrever, inscrever, anotar, registrar (cf., inter plures, Fontinha, Laudelino Freire e Francisco Fernandes) ou ainda: formar um verbo (“averba substantivos” –Antero de Figueiredo). Há também maneiras mais particulares com que o termo averbação atende à ideia de acréscimo a texto anterior: assim, é o escrito que se lança à margem ou ao fim de um documento; além disso, tem as acepções de acusação (imputação de um ato; nos tribunais, ouve-se de quando em quando esta frase: “averbo vista dos autos”) e de alistamento (ex.: averbam-se na lei as hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário).

              Interessa-nos aqui a acepção de escrita marginal ou ao fim de um documento, pondo-se em destaque nesse conceito menos o caráter tópico expresso com a ideia do lugar da escrita do que a ideia de sua acessoriedade: a averbação é sempre um acessório, um acréscimo formal a texto precedente (embora possa não o ser quanto ao conteúdo; pense-se no averbamento de supressão de dados anteriormente inscritos).

              Formou-se, entre nós, ao largo de algum tempo, a opinião de que, por não possuírem os livros dos notários coluna para o averbamento, isto inviabilizaria a prática de averbação das escrituras e das atas notariais, e dessa opinião resultou outra: a de a averbação ser própria dos registros públicos e, assim, adquirir um caráter de critério de sua discriminação relativamente às notas.

              Por mais esse discrimen fosse cômoda adotar essa opinião para denegar os pleitos de averbação notarial, o fato é que, para segui-la, era necessário passar ao largo da doutrina e da história notariais que confirmam e recolhem hipóteses de averbamentos na praxis das notas; e nelas não só nos instrumentos avulsos (scl., extraprotocolares), mas nos próprios livros do protocolo notarial [cf., a título ilustrativo, o que dispõe o Código português do Notariado –Decreto-lei 207, de 14-8-1995– no n. 1 de seu art. 37º: “Os averbamentos lavrados nos instrumentos avulsos e nos livros previstos (…)”; a ênfase gráfica não é do original).

              Assim, são de admitir –ao menos em doutrina, porque, em muito, essa possibilidade exige a consideração do direito posto– as hipóteses de averbamento em escrituras públicas, testamentos e atas notariais, sempre que se confirme a pertinência e viabilidade de retificações, sejam elas positivas (colmatação de uma lacuna), negativas (supressão de um excesso) ou mistas. Mas essas retificações não atendem ao escopo de alterar o conteúdo substancial do ato afetado, não podendo estender-se, pois, a modificar a identidade dos outorgantes, sua vontade ou até a natureza objetiva dos negócios celebrados.

              Na esfera do direito registral, a averbação pode considerar-se o marco histórico do nascimento dos registros públicos modernos. É o que parece pode extrair-se, por exemplo, da doutrina de Carlos Ferreira de Almeida em Publicidade e teoria dos registos, ao observar o autor que, outrora, as conexões registrais eram, quando muito, imperfeitas, incompletas, e só nos fins do século XIX, com o uso do averbamento, emergiu o sistema eficaz de conexões tabulares complexas; afirma o mesmo jurista português: “A conexão é técnica registral contemporânea, que o mesmo é dizer que a publicidade em sentido próprio nasceu no século XIX”.

              Não há, verdadeiramente, um sistema de registro sem que haja uma conexão adequada de fatos, atos e negócios seja em torno de uma pessoa (registros pessoais), seja em redor de uma coisa (registros reais). Recorramos a uma ilustração a que se dedicou Carlos Ferreira de Almeida: “não é registo o simples atestar do casamento de duas pessoas; não o é ainda verdadeiramente, se a esse casamento se averba o nascimento de cada um dos nubentes; há autêntico registo apenas se a ordem jurídica estabelecer que todos os factos interessando o estado civil duma pessoa, sejam entre si averbados, em torno dum assento principal, que será o do nascimento”. E assim o é, porque o sistema registral permitirá o conhecimento ou publicidade conjunta de todos os fatos que importem para a caracterização do status pessoal (nascimento, filiação, adoção, interdição, casamento, separação, morte) ou real (domínio, ônus reais, disponibilidade, etc.), situações essas, real ou pessoal, que constituem o objeto mesmo da publicidade dos registros correspondentes.

              Dessa maneira, não se trata já da mera escrita de fatos, atos ou negócios jurídicos que são o objeto da inscrição registral, mas de buscar, mediante as conexões que possam conjugar esses fatos, atos e negócios com referência a uma pessoa ou a uma coisa, dar publicidade ao status jurídico dessa coisa ou dessa pessoa.  E essas conexões –quer as de alteração, quer as de simples referência– efetivam-se por meio das averbações.