Parece inócuo o que dispõe o § 2º do art. 264 da Lei 6.015, ao prescrever que, ordenando o juiz o registro do bem de família, faça ressalva em favor do reclamante do direito de ação ou de execução por dívida precedente à constituição do bem de família. Ou seja, ainda que oferecida uma reclamação contra o pleito de registro do bem de família (caput do art. 264), o solicitante −ou instituidor− “poderá requerer ao Juiz que ordene o registro, sem embargo da reclamação” (§ 1º do mesmo art. 264), e, diz a lei, “se o Juiz determinar que proceda ao registro, ressalvará ao reclamante o direito de recorrer à ação competente para anular a instituição ou de fazer execução sobre o prédio instituído, na hipótese de tratar-se de dívida anterior e cuja solução se tornou inexequível em virtude do ato da instituição” (§ 2º).
Já bastava a circunstância de as dívidas anteriores à constituição do bem de família se imunizarem dos efeitos dessa constituição, sendo de todo irrelevante, por essa razão, o acréscimo, com o § 2ºdo art. 264 da Lei 6.015, de que a decisão do juiz dos registros é administrativa, inócua, de maneira adicional, a ressalva de persistir o direito de o reclamante demandar na via jurisdicional. Não há nessa decisão administrativa, por evidente, a autoridade da coisa julgada material que impediria, esta sim, o revolvimento da questão no território judicial-contencioso.
Mais aguda ainda é a crítica que deve dirigir-se à combinação do previsto no caput do art. 264 da Lei 6.015/1973 ꟷao determinar o cancelamento da prenotaçãoꟷ com o disposto no § 3º desse mesmo artigo: “O despacho do juiz será irrecorrível e, se deferir o pedido, será transcrito integralmente, juntamente com o pedido”.
É que, acolhida que o seja a pretensão do registro do bem de família ꟷpor uma decisão que a lei diz ser irrecorrível (isto é, da qual não cabe recurso administrativo, o que não importa, entretanto, a inviabilidade de remédios de jurisdição contenciosa, incluído o mandado de segurança)ꟷ, o título institutivo do bem de família (escritura notarial ou instrumento judiciário com o mandado de registro) deve ser novamente prenotado (cf. Ademar Fioranelli). Sendo assim, eventuais dívidas do instituidor contraídas entre o cancelamento da primeira prenotação do título e seu novo protocolo com o acréscimo do mandado de registro serão já dívidas precedentes à constituição do bem de família, sobre as quais, como é de evidência, não poderia versar uma reclamação que lhes era anterior e sobre a qual reclamação deve pronunciar-se o juiz.
Com tudo isto, melhor parece que, de futuro, venha a adotar-se o modelo do processo de dúvida registral, ao menos na etapa antejudiciária, para solucionar os casos de reclamação contra o pleito constitutivo do bem de família, suspendendo-se o registro, sem cancelamento da prenotação, assinando-se prazo para a suscitação correspondente (isto é uma lacuna de que também se ressente o art. 198 da Lei 6.015). Nada impede que se admita, em acréscimo, a possibilidade de alguma sorte de instrução judiciária sobre as questões controvertidas pela reclamação.