Capacidade (primeira parte)

             Vem nosso vernáculo “capacidade” do latim capacitas, capacitatis, com o sentido de “dimensão de conteúdo, valor de continência, continência, aptidão, dons ou pendores excelentes” (João de Freitas Guimarães, Vocabulário etimológico do direito, 1991, p. 38).

              Já no estrito campo direito, a capacidade, enquanto corresponda à noção de ter direitos −é o que se tem designado como capacidade de gozo, capacidade de direito, capacidade jurídica−, é um predicado próprio da personalidade: “Toda pessoa possui a capacidade de direito” (Goffredo Telles Júnior, Iniciação na ciência do direito, 2006, § 126). Chegou Vicente Rao, em O direito e a vida dos direitos (2013, p. 619, nota 15), a identificar ambas as noções (personalidade e capacidade de direito), criticando a rotineira divisão entre capacidade de direito e capacidade de fato (de agir, de exercício de direitos), porque, disse esse notável jurista brasileiro, a capacidade que se diz de direito confunde-se “com a noção de personalidade, pois se define como aptidão para a titularidade dos direitos”, definição esta que é, por igual, uma definição da própria personalidade no plano jurídico.

              Mas, senão a equivalência, ao menos a inerência da capacidade à personalidade −ou seja, a capacidade como um predicável próprio da personalidade− leva a que se reconheça não haver personalidade que se destitua inteiramente de capacidade no domínio do direito; seria até recusar a personalidade a negativa integral de sua capacidade de ter direitos. E assim pode entender-se essa capacidade, enquanto próprio da personalidade, como o atributo subjetivo manifesto numa relação de dependência entre o efeito de um ato jurídico e “um modo de ser da pessoa que o pratica” (Carnelutti); se, pois, uma criança celebra determinado ajuste, ainda que ele contenha todos os supostos objetivos de um contrato, disto não resultarão efeitos obrigacionais, porque faltará, neste quadro, um modo exigível de ser da pessoa contratante. Na lição ainda de Carnelutti, a capacidade, na esfera do direito, traduz-se “numa idoneidade da pessoa, em atenção às suas qualidades, para de determinados fatos, obter efeitos jurídicos” (Teoria geral do direito, 1999, § 118). Em outros termos, é a aptidão de uma pessoa ou dado grau de sua aptidão para exercer atos jurídicos (cf. Teixeira de Freitas, Vocabulário jurídico, 1983, tomo I, p. 25).

              A divisão entre capacidade de direito e capacidade de agir juridicamente (capacidade de ação, capacidade de fato, etc.) pode dizer-se clássica. Pode variar-se o critério com que se fundamenta essa divisão: Goffredo Telles Júnior que a capacidade fato é uma capacidade limitada, a capacidade de alguns direitos e deveres. Por sua vez, Manuel Domingues de Andrade define a capacidade de agir “a aptidão de um sujeito jurídico para produzir efeitos de direito por mera atuação pessoal” (Teoria geral da relação jurídica, 1974, vol. I, p. 31). Aqui já não se trata da capacidade limitada de ter alguns direitos, mas, isto sim, da capacidade para adquiri-los ou assumi-los de modo pessoal, por ato próprio, sem a necessidade de que a tanto intervenha um representante legal. Parece ser este último o critério esposado pelo direito brasileiro vigente, como se lê nos arts. 3º e 4º do Código civil de 2002, depois de o mesmo Código assentar em seu art. 1º: “Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”.

              Mas a isto voltaremos na próxima explanação.