Consciência do Notário e Consciência do Registrador (décima-quarta parte)

Aproximando-nos do objetivo desta série sobre a consciência do notário e do registrador, qual seja o objetivo de esboçar um pequeno roteiro que possa −sempre com a oportunidade de alterar-se à vista das circunstâncias de cada situação pessoal− subsidiar um bom exame da consciência.

Como ficou dito e bastante salientado, o germe radical que nos faz incorrer no falso e no mal −ou seja, em apartar-nos da verdade e do bem− está em nosso egoísmo, em nosso orgulho, caracterizado por um amor desordenado de nós próprios.  Nossos tempos, segundo alguns autores, fizeram-se típicos de uma cultura narcisística, hipertrofiada de subjetivismo.

Muitos pensadores, ao largo de vários séculos, têm apontado o que pode designar-se com a expressão lei do fomes, que denomina o conjunto de nossas deficiências intelectuais e volitivas, ou, em outras palavras, a inclinação que temos gravada em nossa natureza humana decaída, para o erro no conhecimento da verdade e, mais ainda, para afastar-nos do bem da vontade, confundindo e permutando o bem real pelo bem aparente.

Essa lei do fomes tem como referência os bens do mundo, quais sejam, os bens exteriores (como o são os da fortuna, o das riquezas materiais), os bens corporais (que são os do deleite do corpo humano) e os bens espirituais (os bens das honrarias, os bens do prestígio mundano).

A cada grupo desses bens corresponde uma inclinação desordenada, uma atração a que os pensadores da moral denominaram concupiscência. Este vocábulo, concupiscência, logo nos remete a uma passagem testamentária que é da I Carta do Apóstolo S.João (II, 16), que indica três modos de concupiscência: a dos olhos, que tem por objeto os bens exteriores; a da carne, que é do amor desordenado pelos deleites carnais; e a soberba da vida, que é o desejo desordenado de nossa própria excelência.

Cada uma dessas concupiscências dá causa a um ou mais efeitos primários e capitais, assim designados porque têm a primazia entre os consequentes dos amores desordenados aos vários bens (externos, corporais e espirituais) e porque estimulam mais e mais faltas, são como que raízes de novas faltas. 

Para o quanto segue, guia-nos Garrigou-Lagrange em seu sapientíssimo Les trois étapes de la vie interiere.

Assim, a concupiscência dos olhos tem por efeito primário e capital o vício da avareza, a realização (ou, ao menos, a tentativa de satisfação) do desejo desordenado das riquezas materiais. A isto se combate com o desapego ou desprendimento dos bens materiais, e, sobretudo, com a esmola ou as ações que tenham razão de esmola, como o sejam os atos de prestação de auxílio material a outras pessoas.

Os primeiros e capitais efeitos da concupiscência da carne são a gula −que inclina desordenadamente ao deleite corporal do que parece útil à conservação do indivíduo− e a luxúria −que diz respeito às ações desordenadas de conservação da espécie. Seu combate dá-se com tudo quanto aflija o corpo, mormente os atos de jejum.  

Por fim, a soberba da vida tem por efeitos primários e capitais a vanglória ou vaidade (que é o desejo desordenado de honras e louvores, produzindo a desobediência, a discórdia, o gosto pelas novidades), a acídia (que é a preguiça espiritual), a inveja e a ira. A esses defeitos opõe-se a humildade, e o meio mais efetivo de alcançá-la é a oração.