Tratemos agora de examinar as razões pelas quais os hábitos são importantes para a educação da consciência moral.
Nosso vernáculo "hábito" deriva do latim habitus, habiti. É o particípio do verbo habeo (ter; infinitivo habere).
Esse termo "hábito" é análogo. Compreende, assim, vários sentidos de algum modo aproximados entre si: hábito, numa de suas acepções, (i) é ter ou possuir algo de forma imediata, sem intermediário (p.ex., "este médico tem habituais conhecimentos de genética"; "Semprônia tem uma simpatia habitual"); noutro sentido, hábito (ii) é ter ou possuir algo externo exterior ("José tem uma casa" −fala-se com frequência em habitar uma casa); ou ainda: (iii) ter, no sentido de trajar ou levar consigo indumentária, vestimenta, ornamentos ou armas (é conhecida a expressão “o hábito não faz o monge” −habitus non facit monachum); (iv) e também hábito é ter-se a si próprio: possuir um estado, ter um modo de ser; disto advém o “dever de hábito profissional” como sinônimo de dever do status de uma profissão. Com este último sentido apontado, entende-se a afirmação de “o hábito ser uma segunda natureza”: “(…) sabe-se que o costume, principalmente o que se radicou no homem desde a infância, adquire força de natureza” (S.Tomás, Suma contra os gentios, I, 11 66); a isto, uma autora argentina de nossos tempos denominou " natureza induzida (Graciela Beatriz Hernández de Lamas, Retórica y educación, p. 301).
É quanto a esta derradeira acepção de hábito que devemos dedicar nossa atenção: diversamente da mera disposição, que é instável, o hábito é um estado, um modo de ser permanente e que resiste à mudança; enfim, o hábito é mais duradouro e mais estável do que as disposições. Assim, o hábito é qualidade perdurável e firme; é algo dificilmente mutável (difficile mobile).
Há hábitos bons e hábitos maus. Os hábitos bons chamam-se virtudes e são os hábitos conformados à natureza do sujeito a que se referem. Já os hábitos contrários à natureza de seu sujeito são os vícios. Distinguem-se, pois, esses hábitos −as virtudes e os vícios− conforme estejam, respectivamente, em consonância ou dissonância com o fim (ou bem) da natureza do sujeito a que correspondam. A reiteração de ações, reiteração que forma o hábito, faz com que se conaturalizem as disposições para o bem ou para o mal.
Os hábitos podem ser entitativos (ou quoad se), porque dizem respeito ao ser dos entes (p.ex., a saúde, a beleza, a enfermidade), mas podem ser também operativos (ou quoad operari, dinâmicos), porque dispõem a agir bem (v.g., a ciência, a temperança, a fortaleza), ou a produzir o belo (assim, a arte) ou o útil (o hábito do carpinteiro, o hábito do marceneiro, o hábito dos técnicos).
Dividem-se ainda os hábitos em apetitivos −os que têm por sujeito a vontade: as virtudes (e os vícios) morais− e cognitivos, os que concernem ao conhecimento, seja o sensitivo, seja o intelectual. Por sua vez, os hábitos cognitivos intelectuais radicam ou na razão especulativa (hábito dos primeiros princípios especulativos, ciência e sabedoria) ou na razão prática (sindérese, arte e prudência).
O aperfeiçoamento da inteligência humana, em vista de sua indeterminação quanto a suas operações e objeto, exige uma certa qualificação do intelecto, já para evitar a infinitude do processo de conhecimento, já para que atue de preferência de um modo do que de outro, com facilidade e prontidão, de tal maneira que o intelecto opere de maneira conatural com seu objeto.
Se, com efeito, o conhecimento da verdade sempre dependesse de uma retroação fundamental infinita, a verdade nunca se conheceria. Daí a necessidade de existirem hábitos cognoscitivos −na razão especulativa (inteligência dos primeiros princípios) e na razão prática (sindérese)− de que se extraia algum conhecimento evidente da verdade, sine inquisitione, é dizer: sem discurso, sem que se aponte necessidade alguma de retroceder a uma verdade anterior: trata-se aí dos primeiros princípios (prima principia) do conhecimento, tanto especulativo, quanto prático.
Em síntese, o hábito (suposto aqui, o virtuoso) é necessário: (i) para que se exerçam de modo constante e uniforme as operações de cada potência; (ii) a fim de que essas operações se realizem com rapidez, sem exigir recorrentes deliberações; (iii) para que, conaturalizando-se com o agente, essas operações se efetuem com facilidade.