EXCURSO AO TEMA DA CONSCIÊNCIA DO NOTÁRIO E DA CONSCIÊNCIA DO REGISTRADOR: A EDUCAÇÃO DOS CONCURSANTES (parte 4)
Com a ideia de indicar algo para a formação e o exame de consciência dos concursantes −em geral− e, de modo particular, dos concursantes para as atividades das notas e dos registros públicos, concluímos a exposição anterior com a indicação dos degraus para ascender à ciência e à sabedoria, segundo as célebres regras de S.Bento de Núrsia, abonadas por egrégias autoridades em pedagogia, entre elas Hugo de S.Vítor.
São quatro −ou, se se preferir, cinco degraus: (i) lectio, (ii) cogitatio, (iii) studium, (iv) oratio e (v) contemplatio.
Por meio da lectio, instruímo-nos a nós próprios ou instruímos a outros, disse Hugo de S.Vítor, "pelas coisas que estão escritas". Isto quer dizer que a leitura começa pela decifração do texto −ou seja, começa pela frase− e passa a um segundo plano, o sentido das palavras (o significado mais prontamente apreendido com elas), e deve chegar a outro nível: o do pensamento, o da compreensão mais profunda do texto; essa compreensão é o que nos leva às coisas do texto.
No Livro I de seu Peri Hermeneias, disse Aristóteles que as palavras escritas são signos das palavras orais; as palavras orais são indicativos das paixões da alma; as paixões da alma, por fim, imagens das coisas do mundo. Ou seja: o que o que temos nos textos escritos são sinais da expressão oral, e essa expressão oral não é da coisa diretamente a que ela se refere, mas, isto sim, da imagem (ou paixão) dessa coisa. A boa leitura não se estanca em decifrar os sinais −e saber a pronúncia das palavras (perspectiva ortoépica−, avança para descobrir-lhes os sentidos (é já uma perspectiva semântica) e, mais à frente, detém-se em compreender a imagem ou ideia da própria coisa a que se refere o texto. Assim, pois, a boa leitura não pode restringir-se ao aspecto ortoépico (o da pronúncia) e sequer ao semântico, mas deve aventurar-se pela estrada do conhecimento já trilhada por quem escreveu: ler é, enfim, a ocasião de compreender o que outros já compreenderam.
Considerem agora esta lição do Didascalion de Hugo de S.Vítor:
"O modo de ler consiste em dividir.
Toda divisão começa das coisas finitas e progride até as infinitas. Tudo aquilo que é mais finito é mais conhecido e mais compreensível pela ciência. A aprendizagem começas das coisas que são mais notas e, pelo conhecimento delas chega ao conhecimento das coisas ocultas."
Prossigamos agora a um certo arranjo da divisão do que lemos, porque o recolhimento daquilo que se conhece deve ser ordenado, por assim dizer, posto nas estantes corretas, para que seja melhor compreendido e, adiante, bem conservado. Um bom método para esse arranjo −quer dizer, para guardar as coisas nas estantes da inteligência (memória intelectiva) ou mesmo na memória sensitiva− é usar os tópicos gerais, que são os lugares adequados para conservar (e recuperar) cada um de nossos conhecimentos.
Esses tópicos −que atuam, pois, à maneira de uma disposição de estantes para recolher livros− são (i) a definição, (ii) a divisão, (iii) a causa, (iv) o efeito, (v) a semelhança, (vi) a dissemelhança, (vii) o oposto, (viii) o antecedente, (ix) o consequente, (x) as circunstâncias (ou adjuntos), (xi) a comparação, (xi) o gênero, (xii) a espécie e (xiii) a notação (ou derivação etimológica ou por mudança da palavra −cf. a muito recomendável obra Trivium e quadrivium: a doutrina das 7 artes liberais, Porto Alegre, Instituto Hugo de S.Vítor, 2020, p. 143).
Suponha-se, para fins de exemplificação, que acabamos de ler um texto que nos faz conhecer um dado tema: o tempo. Considerando esses tópicos apontados, começaremos por definir o tempo e, em seguida, vamos dividi-lo (tempo pretérito, tempo passado, tempo futuro); depois, podemos considerar a causa do tempo (ou seja, o movimento) e seu efeito (a mudança); pode pensar-se em alguma semelhança relativamente ao tempo (assim, o evo) e em sua dissemelhança (a eternidade); logo vem-nos pensar no oposto ao tempo (a imutabilidade, o não movimento, a eternidade); num seu antecedente (havia algo antes de seu termo inicial?) e em seu consequente (haverá algo depois do tempo?); consideraremos, então, as circunstâncias ou adjuntos do tempo (p.ex., a diferença de sua apreciação no plano subjetivo: o tempo pático); podemos compará-lo com outros acidentes (assim, o de lugar); trataremos de indicar seu gênero (será o ente) e sua espécie (a corporeidade); e, por fim, trataremos de investigar se a palavra notada −tempo− dá ensejo a variações de sentido (analogias e equivocidades).
Pronto. Aí temos todo um caminho ordenado para uma boa compreensão e exposição sobre o tempo. E está claro que podemos fazer isto com todos os assuntos, embora com maior ou menor dificuldade,