EXCURSO AO TEMA DA CONSCIÊNCIA DO NOTÁRIO E DA CONSCIÊNCIA DO REGISTRADOR: A EDUCAÇÃO DOS CONCURSANTES (parte 5)
Depois de subirmos ao primeiro degrau de acesso às virtudes intelectuais da ciência e da sabedoria, primeiro degrau que consiste numa leitura aplicada −aplicação que exige sempre esforço e algum modo de dedicação amorosa aos escritos−, podemos alçar-nos ao segundo degrau: a meditação ou cogitatio.
A leitura atenta de um texto leva a pensamentos, ou seja, a algum trânsito da coisa do texto seja por nossa memória (sensitiva e intelectiva), seja por nossas funções de conceituação (simples aprehensio rei), judicação ou até de raciocínio; mas se entende aí o pensamento sempre como algo transitório e que tende a permanecer numa dada superfície, sem maior aprofundamento. É muito frequente que esses pensamentos sucessivos a leituras sejam fugidios da memória; são em geral paixões fugazes, que não se retêm na alma.
Diversamente, a meditação consiste no deleite sossegado do que se leu. Meditar é cogitar reiteradamente com prudência, considerando a própria coisa do texto, sua causa, seus efeitos, suas divisões, sua utilidade, etc. Consideremos aqui um ponto importante: da prudência, que é virtude intelectual, é costume dizer-se que é um hábito diretivo das virtudes morais; e isto está certo, mas não está completo: à prudência também cabe dirigir alguns hábitos intelectuais (assim, a sabedoria, a arte e a ciência; por mais estranho pareça, sequer estaria mal dizer que a prudência deve convocar a própria prudência para a direção dos hábitos). E, pois, cabe à prudência o discrimen do que deve ser meditado em cada situação concreta.
Um de meus saudosos professores, Clóvis Lema Garcia, costumava dizer que não era suficiente ler, senão que nós deveríamos ruminar o alimento intelectual obtido com a leitura (a coisa do texto). Assim o fez ver Hugo de S.Vítor, meditar é discorrer com deleite, pondo os olhos intelectuais nas verdades de que cogitamos, detendo-nos ora nas próprias coisas, ora em suas causas, acercando-nos de suas profundidades (as coisas todas têm sem numen, seu segredo, o mysterium rerum). Se a leitura, ordinariamente, é o princípio da ciência e da sabedoria, a cogitatio consuma o que a leitura começou.
A experiência de nossa própria vida põe à mostra que, muitas vezes, entendemos muito bem o que alguém expõe, mas, pouco tempo depois, ao tentar reproduzir as ideias, não conseguimos, e não conseguimos porque não ruminamos, não meditamos sobre o entendido.
Vejam que texto belíssimo escreveu Hugo de S.Vítor acerca da cogitatio:
"Quem aprender a amá-la [refere-se à meditação] e a ela se dedicar frequentemente, tornará a vida imensamente agradável e terá na tribulação a maior das consolações. A meditação é o que mais do que todas as coisas segrega a alma do estrépito dos atos terrenos; pela doçura de sua tranquilidade já nesta vida nos oferece de algum modo o gosto antecipado da eterna; fazendo-nos buscar e inteligir, pelas coisas que foram feitas, àquele que as fez, ensina a alma pela ciência e a aprofunda da alegria, fazendo com que nela encontre o maior dos deleites".
Ao passo, pois, em que o pensamento é transitório, a meditação favorece a recolha da memória, beneficiando nela a concisão do que se aprendeu: "a memória do homem −disse o tantas vezes aqui referido Hugo de S.Vítor− regozija-se na brevidade". E, pois, retemos o conhecimento, custodiado na memória após o trânsito do pensamento e o tranquilo deleite da meditação.