Consciência do Notário e Consciência do Registrador (primeira parte)

O termo consciência possui dois modos de significação. Num deles, considera-se a percepção que temos de nossas próprias ações e paixões, vale dizer: percebemos nossas condutas e também aquilo que padecemos ou sofremos. Trata-se aí da consciência psicológica, ou seja, o conhecimento que o homem tem de si próprio e de seus atos, sua capacidade reflexiva que vai ao ponto de pôr-se o mesmo homem na situação simultânea de sujeito conhecedor e de objeto de seu próprio conhecimento. Parece ter razão Robert Brennan quando afirma não poder definir-se de maneira estrita a consciência psicológica, que é um acontecimento mental, é tanto uma operação intelectual, quanto o produto mesmo dessa operação −é, pois, uma atividade e um conteúdo. A despeito dessa dificuldade, quando não até impossibilidade, de uma definição rigorosa do que seja a consciência psicológica, sua existência um dado de fácil percepção: conhecemos nossas atividades, podemos refletir sobre elas, ao ponto de que chegamos a conhecer que conhecemos, coisa que nossos sentidos não podem fazer (é por isto mesmo que os animais não têm consciência).

Não é deste modo significativo de consciência que se tratará nesta explanação. Quando se anuncia considerarem-se aqui a consciência do notário e a consciência do registrador, não se pretende examinar, à maneira de um psicólogo, a realidade da consciência psicológica, é dizer, a capacidade de conhecimento reflexivo desses juristas. O que se busca, em vez disso, é apreciar, ainda que maneira concisa, o outro modo significativo da consciência, que diz respeito à consciência moral.  

Já não se trata, pois, de considerar a experiência imediata que um notário e um registrador possam ter acerca de suas próprias atividades, não só profissionais, mas de todas elas. O de que se pretende cuidar nesta nossa exposição é da consciência enquanto juízo da razão prática sobre a bondade ou malícia de um ato que se vai praticar, que já se praticou ou que se está praticando.

Se a consciência psicológica é já um conhecimento −seja na sua atividade, seja em seu produto−, ela, entretanto, possui função especulativa, ela percepciona algo presente, algo pretérito (mediante o concurso da memória) ou algo futuro (a que concorre a imaginação), mas não junta a esse conhecimento um juízo de caráter moral, é dizer, um julgamento acerca da moralidade de uma conduta, um ditame do entendimento prático sobre a bondade ou a maldade de uma ação, ou, em outras palavras, sobre a conformidade dessa ação com a reta razão de agir.

O vernáculo consciência provém do latim cum scentia (com conhecimento), mas esse conhecimento pode dividir-se em conhecimento teórico (especulativo) e em conhecimento prático; aquele, o especulativo, cifrado em, por assim dizer, “tomar ciência de algo”; o outro, o prático, inclinado a confrontar esse algo com a ordem moral.

Se, muitas vezes, referimos a ideia de consciência como simples advertência de algo: “tenho consciência (psicológica) de que ministro esta pequena lição”, “tenho consciência (psicológica) de que hoje faz frio (ou faz calor)”, etc., noutras vezes, usamos o termo consciência com sua acepção moral: era assim, por exemplo, o que se ouvia, de maneira frequente, há algumas décadas: “devemos fazer exame de consciência” (expressão que, por desgraça, parece hoje tão desusada); e até mesmo na música popular podíamos descobrir o uso do termo consciência em sentido moral, como nestes versos do compositor mineiro Ataulfo Alves (1909-1969): “Tenha a santa paciência./ Ponha a mão na consciência./ Deixe-me viver em paz”.    

Prosseguiremos.