Fontes do direito notarial e registral (quarta parte)

                                               Des. Ricardo Dip

Na lista das espécies de fonte formal cognoscitiva do direito, é a constituição política que ocupa a conhecida cumieira da celebrizada pirâmide das normas jurídicas positivadas. Equivale a dizer que, ao menos quanto se opinem identificáveis o estado e o direito −como resulta do entendimento normativista de Hans Kelsen−, a constituição política seria o fundamento primacial da validade de todas as normas jurídicas.  Não falta, embora, que já se tenha dito ser a pirâmide um monumento funerário (Miguel Ayuso). 

         A vigente Constituição brasileira possui várias indicações relativas aos registros públicos −expressão que, em dadas hipóteses, abrange as notas. As duas principais referências constitucionais alusivas aos registros públicos acham-se nos arts. 22, item XXV, e 236.

         O referido item XXV do art. 22 assina a competência privativa da União para legislar sobre registros públicos.

         Por sua vez, o art. 236 trata de indicar o figurino jurídico dos registros públicos −«Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público» (caput)−, atribuindo à normativa infraconstitucional a regulação das atividades das notas e dos registros, bem como «a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos» e a fiscalização judiciária de seus atos (§ 1º). Assina ainda o mesmo art. 236 (§ 2º) a competência para o estabelecimento de «normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro», e preceitua, ao fim (§ 3º): «O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses».

         A mesma Constituição excepcionou a aplicação do referido art. 236, afastando-lhe a incidência quanto «aos serviços notariais e de registro que já tenham sido oficializados pelo Poder Público, respeitando-se o direito de seus servidores» (art. 32 do Ato das disposições constitucionais transitórias).

         Há outras disposições constitucionais relativas aos registros públicos. Umas, bastante específicas, referentes ao registro civil das pessoas naturais; uma outra, relativa ao registro de imóveis:

•        Art. 5º: «LXXVI - são gratuitos para os reconhecidamente pobres, na forma da lei: a) o registro civil de nascimento»;

•        Art. 95 do Ato das disposições constitucionais transitórias (incluído pela Emenda constitucional 57, de 2007): «Os nascidos no estrangeiro entre 7 de junho de 1994 e a data da promulgação desta Emenda Constitucional, filhos de pai brasileiro ou mãe brasileira, poderão ser registrados em repartição diplomática ou consular brasileira competente ou em ofício de registro, se vierem a residir na República Federativa do Brasil»;

•        Art. 49 do Ato das disposições constitucionais transitórias: «A lei disporá sobre o instituto da enfiteuse em imóveis urbanos, sendo facultada aos foreiros, no caso de sua extinção, a remição dos aforamentos mediante aquisição do domínio direto, na conformidade do que dispuserem os respectivos contratos: (…) § 4º  Remido o foro, o antigo titular do domínio direto deverá, no prazo de noventa dias, sob pena de responsabilidade, confiar à guarda do registro de imóveis competente toda a documentação a ele relativa».

         Não é esta a oportunidade de maiores indagações acerca da constituição, do direito constitucional e do constitucionalismo, mas não é demasia observar que a realidade das constituições é praticamente de todas as latitudes e longitudes. Se o direito constitucional vigente as considera apenas a contar da modelagem da Magna Carta de 1215 e, efetivamente, do nascimento do estado moderno, é porque, em palavras de Carl Schimtt, entende a constituição «no sentido de um status idêntico à situação total do estado», de maneira que ela só pode nascer, logicamente, com o próprio estado (Teoria da constituição, § 6º).

         Todavia, uma só e breve consideração da história antiga e medieval permite ter-se em conta a existência de normas organizadoras da sociedade e da política. Karl Lowenstein ensinou que os hebreus, com sua ordenada sociedade teocrática, foram o primeiro povo a praticar o constitucionalismo (Teoria da constituição, cap. V). Da mesma sorte, houve constituições nas cidades gregas antigas, e Lowenstein chegou mesmo a dizer que a constituição na Roma antiga é o «arquétipo clássico para todos os tempos do estado constitucional».  

         Quando se diz que o direito constitucional nasce no século XIX, quer-se em verdade afirmar seu surgimento como disciplina jurídica autônoma, sem que se possa afirmar que a organização política precedente estivesse destituída de normas constitucionais (cf., a propósito, Manuel García-Pelayo, Derecho constitucional comparado, ed. Alianza, Madri, 1993, p. 22).

         Assim, o que hoje se denomina «constitucionalismo» é a ideologia da constituição liberal (Miguel Ayuso).

         Prosseguiremos.