Sobre a ciência notarial e a ciência registral (parte 11)

Des. Ricardo Dip

 

Na explanação anterior deste capítulo sobre as ciências notarial e registral, começamos a considerar, de maneira breve e no âmbito da família notarial latina, os comumente designados como «princípios notariais», que são como que vigas do edifício cultural do notariado. Havíamos distinguido já os princípios que podemos chamar de primeiríssimos (são os princípios de ordem metafísica, os fundamenta remotissima), indicando, na sequência, os princípios históricos originantes (fundamenta quodammodo ingenita vel mere remota) e os princípios derivados desses fundamentos históricos (a saber, os fundamenta propinqua vel derivata, a que, por uma dada analogia, atribuímos a figura da viga de um edifício material).

Insistamos num ponto: sem que façamos a devida clivagem entre seus princípios históricos originantes e seus princípios derivados, não conseguiremos analisar de maneira adequada a natureza das notas e dos registros públicos. E acontece que, desprezada esta distinção, não saberemos indicar a essência dessas notas e desses registros, de modo que sua configuração concreta ficaria entregue aos caprichos do que se denominaria, impropriamente, de sorte ou azar da história.

A viga −ou princípio derivado− com que iniciamos o exame dos fundamentos próximos das notas da família latina disse respeito à rogação. O tema já instiga a meditar sobre a potencialidade ou virtualidade dos princípios −ou seja, como ficou várias vezes dito, sobre o fato de toda a ciência estar contida potencialmente em seus princípios. Com efeito, pode logo antever-se que a dispensa da rogação acarretaria uma rotineira concorrência notarial −muito avistavelmente predatória−, além de molestar a confiança que leva à escolha do tabelião de notas pelo cliente e, no fim e ao cabo, redundar numa contradição, pois que o notário se destina à determinação negocial objeto de consensos, e esses consensos se desprezariam pela imunidade de rogação.

O segundo dos fundamentos notariais derivados a que dedicaremos atenção é o «princípio da veracidade»; seguimos aqui a ordem principiológica adotada por Antonio Rodríguez Adrados que bem define a verdade notarial, aproveitando-se de um paralelo com o conceito clássico de verdade. Diz Rodríguez Adrados: "…la verdad del instrumento público consiste en la adecuación del escrito a la cosa o asunto −adæquatio scriptum cum re".

Há vários aspectos relevantes a considerar acerca desse princípio da veracidade notarial.

O primeiro é o de que a enunciação da verdade fundamenta a fé pública notarial, e não o revés; ou seja, essa fé pública adere à verdade, que é, pois, seu suposto. Até historicamente isto deve reconhecer-se, como fez ver Rodríguez Adrados ao observar que a potestade de dação da fé pública foi concedida aos tabeliães exatamente em vista de sua anterior experiência profissional −ou, em outros termos, exatamente em virtude de sua confirmada e honesta prática na profissão.

O segundo aspecto a apontar é o de que nem tudo o que conste de um documento notarial frui da marca da veracidade, restrita esta às indicações relativas a fatos presenciados pelos tabeliães. As qualificações notariais −isto é, os juízos opinativos proferidos pelos notários, diz prudentemente Rodríguez Adrados, não gozam dessa eficácia de veracidade (valorizada pela fé pública); esses juízos podem ser certos ou errôneos.

Outros pontos ainda merecem detida consideração acerca desse princípio da veracidade notarial, pontos a que nos dedicaremos na próxima explanação desta série.