Sobre a ciência notarial e a ciência registral (parte 12)

Des. Ricardo Dip

 

Dando sequência ao breve exame do princípio da veracidade, no percurso das vigas do notariado latino −é dizer, seus princípios próximos−, tratemos agora de considerar, prosseguindo na trilha já caminhada de maneira segura por Antonio Rodríguez Adrados, algo relativo à presencialidade do tabelião e à denominada autenticidade de fundo do documento notarial.

Ambos esses pontos podem reunir-se sob a rubrica cognitio rei, expressão já usada por juristas medievais (p.ex., Juan Andrés e Baldo) para significar o conhecimento do assunto objeto pelos escribas, suposta sua presença pessoal inter partes.

Observou acertadamente Rodríguez Adrados que "la fe pública no podría subsistir sin la veracidad de los documentos", e a verdade (ou autenticidade de fundo) −em suas dimensões de exatidão (o documento há de exprimir a verdade, positivamente) e de integralidade (o documento há de expressar toda a verdade, de maneira que não deixe de indicar tudo o quanto deva referir)−, repita-se: a verdade ou autenticidade de fundo sempre suporá: (i) a busca da mesma verdade pelos tabeliães e (ii) a dúplice presencialidade de sua atuação.

Quanto ao primeiro ponto, ainda que o notário não possa conhecer o ânimo dos clientes −e, pois, o quanto haja de veracidade em suas manifestações de conhecimento ou de vontade−, deve o tabelião valer-se, ensina Rodríguez Adrados, de "su experiencia, sus conocimientos jurídicos y su auctoritas jurídica y moral", para, assim, chegar à veracidade do documento, guardando-se, entretanto, prossegue o mesmo autor, de empregar "una potestas sobre los otorgantes", potestas que o notário "no tiene, ni podía tener, porque lo que documenta es un acto libre de autonomía privada". Deixe-se aqui ressaltada a exceção quanto ao tema da ilicitude das pretensões documentárias, matéria cuja exame não calha neste mo0mento.

No que diz respeito ao segundo tema −o da dupla presencialidade do notário−, tem-se que o tabelião não pode dar fé de fatos passados (fides de præterito), mas somente dos fatos que se dão em sua presença. Em outros termos, há neste quadro duas presencialidades: uma presença pessoal (que melhor se examinará com a análise do princípio da imediatidade), mas também uma presença no presente, de modo que haja um conhecimento pessoal do real captado e percepcionado pelo notário, dando apoio à fides de præsenti.

Encerremos o ponto com esta passagem de Rodríguez Adrados: "En cuanto a los hechos presentes, el Notario tiene que poner todo su empeño en investigar y depurar la voluntad que con frecuencia le llega con numerosos defectos, a fin de poder dar fe solamente de esa voluntad común que con su consejo ayudó a formar (…)". Enfim, a escritura pública não é mera ata referencial, mas um documento que há de ter autenticidade ou veracidade de fundo.