Des. Ricardo Dip
Na sequência do breve exame do que chamamos de «vigas do notariado latino» −ou seja, os princípios mais próximos que dão fisionomia e norteiam as operações do notariado de filiação latina−, tratemos agora do princípio da imediatidade.
Comecemos por salientar que se cuida aqui de um dos princípios bastante afligidos nos tempos atuais, entre outros motivos pela desenvoltura com que a tecnologia tem superado a natural aptidão humana para captar dados do mundo sensível.
O vernáculo «imediatidade» deriva, segundo Antônio Geraldo da Cunha, do substantivo medius, medii (Dicionário etimológico Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1982, p. 509); Fontinha reporta-se a outro substantivo latino −medium, ii (Novo dicionário etimológico da língua portuguesa, Porto, ed. Domingos Barreira, s.d., p. 1.157). Abdicando de tentar solver aqui esta discrepância quanto à origem de nosso vocábulo «imediatidade» (mais exatamente, de nossa palavra «médio»), baste-nos referir que, na variedade de suas acepções, medius e medium exprimem o mesmo: a ideia de meio, centro, intermédio, intervalo, intermediário, medianeiro (veja-se, por muitos, Santos Saraiva, Novíssimo dicionário latino-português, Rio de Janeiro -Belo Horizonte, 10.ed., ed. Garnier, 1993, p. 722-723). Tem-se ainda que à raiz √med se juntou o prefixo in −com seu caráter de negação−, de maneira que assim chegamos ao vernáculo «imediato»: o que é ou está privado ou carente de médio, o não intervalado.
Trasladado para o âmbito do direito notarial, a imediatidade traduz a direta presença do notário no processo de outorga da escritura pública (disse Rodríguez Adrados: "…principio de la inmediación, por el que las personas que en cualquier concepto participan en otorgamiento de una escritura pública tienen que estar en presencia del notario que la autoriza" −cf. Principios notariales, Madri, ed. Colegio Notarial de Madrid, s.d, p. 33). Vai-se além da situação da outorga da escritura, pois, como também o ensina o mesmo Rodríguez Adrados, "…es igualmente preciso que estén en presencia del notario las personas, sus hechos o las cosas que son objeto de algunas actas notariales" (ib.).
Esta presencialidade notarial não é qualquer, mas, sim, uma presencialidade pessoal física, direta, imediata (ou seja, sem médio). Isto o disse Rafael Núñez Lagos: "Al Derecho notarial incumbe más que a ningún otro el principio de la inmediación. La presencia física, directa, inmediata de las personas (comparecencia) y de las cosas (exhibición), es la base del Derecho notarial. En este principio se funda el otro principio de la autenticidad o fe pública" (cf. Los esquemas conceptuales del instrumento público, San Miguel, ed. Gaceta Notarial, 2013, p. 35-36).
A vulneração dessa presencialidade física −direta, imediata− do notário diante das pessoas (incluídos seus atos: o ato da pessoa é a pessoa em ato) e diante das coisas que importam para a outorga e a autorização das escrituras, bem como para a elaboração de atas notariais, aflige, pois, em sua própria essência, a atividade dos notários e repercute decisivamente na possibilidade da dação de fé pública. É dizer que a utilização de médios −ou seja, de meios artificiais− para o acréscimo do rendimento do padrão normal (não para seu só subsídio corretivo, note-se bem) da capacidade sensória dos notários −p.ex., uso de drones, microscópios, telescópios, binóculos, etc.− desconstrói a natureza do notariado latino.
Prosseguiremos.