Des. Ricardo Dip
Estamos a discutir um tanto acerca da noção clássica de «consciência», visando a apurar se ela implica uma via de subjetivismo e relativismo, tal como parece tê-la assim considerado crítica que se dirigiu ao conceito de qualificação registral emitido, no ano de 1991, em um encontro de oficiais do registro de imóveis realizado em Maceió.
Vimos na exposição imediatamente anterior, depois de distinguir, de um lado, a consciência psicológica, e, de outro lado, a consciência moral, que esta última não é uma das potências da alma humana.
E, como adiantamos, teríamos agora de ver se a consciência moral é um hábito ou, diversamente, um ato.
Aqui se trata do que se denomina de hábito qualidade, assim discriminado do hábito predicamental. É dizer que se cuida do hábito como o elemento constante do primeiro par da categoria da qualidade (esse par é o da disposição-hábito), e que pode conceituar-se como uma qualidade que determina ou altera o estado de um sujeito de modo estável e permanente, facilitando-lhe as operações.
Pois bem, há um problema que se pode dizer histórico acerca da caracterização da consciência como hábito ou ato. De começo, a doutrina tendia a considerar a consciência como o hábito da sindérese, partindo de um texto de S.Jerônimo, que, depois, se viu, fora mal transcrito, e o fato −apenas para ficarmos com uns poucos exemplos− é que Alexandre de Hales (em seu Comentário das Sentenças) e S.Boaventura (nos Comentários) sustentavam, cada um a seu modo, que a consciência é um hábito (habitus connaturalis, escreveu Alexandre de Hales; por sua vez, S.Boaventura refere-se à potentia habitualis, isto pela razão, como fez ver Guido Soaje, de que "la potencia nunca se presenta separada de su hábito, [de modo que] se incluyen en un solo nombre el hábito y la potencia, y ésta, en cuanto investida de su hábito («habilitata»), recibe el nombre de éste" ("La «sindéresis» como «hábito» en la Escolástica", in Sapientia n. 63, ano de 1962, p. 39).
Este entendimento perseverou prevalecente −mas não sem diversos matizes− até que o chanceler Felipe lançou as sementes do que, adiante, seria a adequada concepção da consciência moral, distinguida do hábito da sindérese. Leia-se, brevitatis causa, em Santiago Ramírez: "Sólo con Felipe el Canciller, veinte años antes de Santo Tomás, se dibuja la verdadera noción de conciencia y aparece el germen del tratado y elaboración doctrinal de la misma, que Santo Tomás habrá de perfilar" (in La conciencia moral según Santo Tomás y los sistemas morales, apêndice do tomo VIII da ed. BAC da Suma teológica, Madri, 1956, p. 726). Mais além, sequer se caracteriza a consciência como habitus, porque, como bem observou Ramírez, a consciência pode alterar-se com facilidade, passando de ser falsa a reta, retificando-se os erros; ao revés, "los hábitos son dificilmente mudables", e, de resto, os hábitos adquirem-se "por numerosos actos, los cuales todos ya suponem la dirección de la conciencia e a ésta, por lo tanto, formada" (o.c., p. 727).
Desta maneira, não sendo potência, nem hábito, a consciência moral só pode ser um ato. E é isto o que veremos na próxima explanação desta série.