Sobre a ciência notarial e a ciência registral (parte 8)

Des. Ricardo Dip

 

Após o exame do primeiro pilar histórico do notariado latino −ou seja, o do conhecimento e prática das primeiras três artes liberais (trivium), particularmente o conhecimento e o exercício da retórica−, tratemos agora, de modo sucinto, do segundo dos fundamentos historicamente originantes desse notariado: a especialização nos estudos jurídicos próprios da prática notarial.

O direito romano não deixara de sobreviver em face das invasões bárbaras na Alta Idade média, ainda que tivesse de conviver com o direito dos povos germânicos, mas, por este tempo, assim o disse o muito autorizado historiador norte-americano Charles Homer Haskins, se os estudos jurídicos subsistiram um tanto foi "meramente como o aprendizado da elaboração de documentos, uma forma de retórica aplicada" (in A ascensão das universidades, p. 23).

Ao chegar-se na Baixa medieval, porém, dá-se o que se tem nomeado "renascimento jurídico", e isto ocorre, em geral, com o surgimento das universidades e, de modo muito singular, com a Universidade de Bolonha.

A universidade, à altura de sua instituição, no século XI, designava-se studium generale, «generale» exatamente porque era uma escola para todos (pro omnibus). A primeira universidade instituída foi a de Salerno, na Itália, em que, ao começo, com os monges beneditinos, e, adiante, com médicos leigos, limitou-se ao estudo da medicina, sobretudo a dos árabes, mas também, com particular relevo, ali se examinou a obra do italiano Gariopontus (955-1.059; ele era também conhecido por uma série de outros nomes, entre os quais Guarimpoto, Guaripoto, Raimpotus, Warnipontus, e cuja obra principal se denominou Passionarius).

Quase ao mesmo tempo em que nascia a Universidade de Salerno surgiram também as de Bolonha, Paris e Oxford. A de Paris, repisando a experiência da escola catedralícia de Nôtre Dame, dedicou-se às artes liberais, ao passo em que a Universidade de Bolonha foi, de modo especial, devotada aos estudos do direito, e, nesta área, com tamanho prestígio, que a cidade cunhou uma moeda que continha a inscrição Bolonia docet (cf. Gustav Schnürer, L’Église et la civilisation au moyen age, tomo II, p. 537 et sqq.). Em Bolonha, lecionaram grandes estudiosos do direito (p.ex., Pepo, Irnério, Graciano), e, o que aqui interessa destacar, Rolandino Pasagerii (1207-1301), notário local, autor de várias e consagradas obras de relevo para a teoria e a prática notariais: assim, a Summa artis notariae −chamada de Summa rolandina−, o Tractatus de notulis (ou Tractatus notularum), seu De officio tabellionatus in vilis vel castris, o Apparatus super Summa notariae (conhecido como Aurora, obra tardia que recebeu adições de Petrus de Unzola, de modo que, com essas adições, passou a denominar-se Meridiana). Também de Bolonha era Salatiel, cuja obra foi superior teoricamente à de Pasagerii, embora a deste fosse mais didática, assim opina José Bono (Historia del derecho notarial español, tomo I, p. 218-9).

No século XIII, havia já, na Universidade de Bolonha, uma assinatura ou disciplina acadêmica especializada no direito notarial (cf. Rafael Núñes Lagos, Los esquemas conceptuales del instrumento público, p. 30), de maneira que os escribas −já experienciados na retórica− tinham agora uma especialidade que os distinguia entre os praxistas do direito.