Sobre ágio, agiota e agiotagem (conclusão)

 Des. Ricardo Dip

Vivemos nos tempos contemporâneos como se a economia estivesse isenta da instância ética, e isso vai ao ponto de sequer, em larga medida, ser arguida essa suscetibilidade (para não dizer obrigatoriedade) de a economia submeter-se à moral.

Já no Antigo Testamento −no Livro do Êxodo, 22, 25; no Levítico, 25, 35-37; no Deuteronômio, 23, 19-20; 15, 6; 28, 12; em Jeremias, 15, 10; e no Livro do Profeta Ezequiel, 18, 8, 13 e 17− desfiou-se forte condenação contra a prática dos juros.

E, no âmbito profano, Aristóteles chegou a dizer que a usura não é um vício tolerável, porque é corruptor direto da convivência social.

Também o cristianismo condenou a usura, por entendê-la como uma exploração, em proveito próprio, da necessidade de um irmão. Chegou-se a comparar a usura ao homicídio, por seus efeitos perversos em toda a sociedade, produzindo a multiplicação dos pobres.

Daí que, ao tempo da Cristandade, de par com o repúdio generalizado da usura e dos usurários −é dizer, do ágio, dos agiotas, da agiotagem−, haja a criação de instituições destinadas a remediar as dificuldades materiais da vida, evitando que os necessitados caíssem nas mãos dos agiotas, agiotas que eram condenados por viverem do trabalho alheio.

Foi assim que se instituíram, primeiro na Itália na segunda metade do século XV), os monti di pietà (montes de piedade, montepios). que apenas cobravam os danos emergentes por seus empréstimos.

Esses monti di pietà foram criados por frades franciscanos (designadamente por Frei Bernabé de Treni), com alternativa para quem precisava de algum empréstimo e não se dispunha a pagar os altíssimos juros cobrados pelos agiotas (fala-se que os juros chegavam, então, à taxa de 200% ao ano).

A partir do século XVI, entretanto, começou a sustentar-se que a usura constituía um processo econômico normal, alheio da ética.

Na sequência, diante de um fato consumado −o forte fenômeno da prática da agiotagem− passou a adotar-se a intervenção estatal para limitar a taxa dos juros. Tratava-se (e ainda se trata) de uma simples tolerância diante dos fatos.

Juan Antonio Widow, de cuja obra muito aqui nos aproveitamos, observou agudamente que a prática da usura ladeia a exigências da justiça comutativa, e insiste em que devamos restaurar a subalternação da economia à ética: «A prática da usura (diz Widow) destrói as bases de uma economia justa, e, com isso, as bases de uma normal convivência».

E prossegue o notável pensador chileno: «A economia moderna vive da usura. Difundiu-se e radicou-se profundamente na sociedade uma insensibilidade sobre esse fenômeno. Quando uma pessoa comum e corrente solicita um empréstimo a uma instituição financeira, não costuma prestar atenção naquilo que perde em favor dessa instituição».