Des. Ricardo Dip
Em 27 de março de 2024, publicou-se no informativo Migalhas interessante relatório da lavra de FLÁVIO TARTUCE, com o título «A reforma do Código Civil e a facilitação da celebração do casamento» .
Ali se noticia que a Subcomissão de Direito de Família da Reforma do Código Civil propusera extinguir a publicação de proclamas para o casamento, além de outras medidas para facilitar o processo de habilitação e celebração matrimonial.
Indicou-se ainda que a Relatoria-Geral dessa Subcomissão integrada por FLÁVIO TARTUCE e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY «preferiu seguir um caminho ainda mais audacioso, tendo em vista a facilidade de obtenção das informações e os recursos tecnológicos, qual seja, o fim do processo de habilitação, com todas as suas formalidades e perda de tempo −sendo substituído pelo que denominamos como procedimento pré-nupcial».
Não faltaram vozes que logo viram nessa projetada abolição do procedimento habilitante para as núpcias um passo adicional na trilha revolucionária da desconstrução do modelo clássico de família.
Diversamente, um sensato magistrado brasileiro já havia afirmado que, nos países onde impostos «novos modelos familiares», o casamento civil (nota bene: o civil) só mantém sua razão de ser enquanto for mais econômico do que um contrato particular de união «livre» (vale dizer, uma união isenta de preceitos morais e jurídicos).
Tratemos do tema com algum vagar. Sem embargo disso, de pronto quero deixar indicado meu aplauso a que se extinga a habilitação nupcial.
É de todo conhecido que, em 1936, Wilhelm REICH publicou a mais importante de suas obras: Die Sexualität im Kulturkampf (conhecida, entre nós, com o vernáculo “A Revolução Sexual”), afirmando que a felicidade do homem está no prazer sexual. Dessa maneira, segundo esse autor −freudiano e marxista−, todos os obstáculos às pulsões sexuais devem ser afastados, porque consistem em impedimentos para a felicidade.
Assim, um efetivo «direito à felicidade», ao modo reichiano, há de implicar a liberação integral das pulsões, abdicando-se de toda ordem de retificação moral. Negam-se, com isso, a finalidade e a ética da vida sexual, o que remata, de fato, na abolição do casamento.
Pensar-se-ia, além disso, na supressão da própria família, como consequente de abolir-se o matrimônio, mas isso não se deu, de fato, porque, ao revés, tratou-se de estender o conceito de «família», extensão que, de modo paradoxal, reduziu sua importância no espaço público.
Ao começo de sua Política, disse ARISTÓTELES ser necessário que se emparelhem os entes que não podem existir um sem o outro, e por isso, o homem e a mulher por tendência natural formavam a casa (oikía), a comunidade (koinonía) que é a primeira de todas as associações. a justiça vivida na comunidade familiar.
Assim, o homem, animal naturalmente político (ARISTÓTELES), naturalmente razoável (JACQUES LECLERCQ), naturalmente comunicativo (ou ainda “fonético” –FIRTH), naturalmente religioso (SALLERON) ou mesmo naturalmente cristão (TERTULIANO), é também, em assertiva de Aristóteles, naturalmente um «animal familiar»:
«Com efeito −escreveu ARISTÓTELES−, o homem não é apenas um animal político, mas também familiar, e, diversamente dos outros animais, o homem e a mulher não se emparelham de modo ocasional, pois, em um sentido particular, o homem não é um animal solitário, mas um animal feito para associar-se com aqueles que são naturalmente seus semelhantes.»
Abonando essa lição aristotélica, S.TOMÁS DE AQUINO afirmou que o homem é, por natureza, um «animal conjugal» −secundum naturam animal conjugale−, e até mesmo um animal mais naturalmente conjugal do que político (magis...quam politicum).
Esse entendimento fez-se clássico, fez-se um lugar comum ao largo dos séculos, embora não faltassem, na história humana, episódios, mais ou menos intensos, de crise da instituição familiar.
Os tempos contemporâneos são o de uma crise qualitativa (ou talvez até mesmo essencial) da família. A que atribuí-la? Isso o veremos na próxima semana, se Deus quiser.