“Dados das centrais eletrônicas levantados com fidedignidade servem como base para o planejamento de políticas públicas”

“Dados das centrais eletrônicas levantados com fidedignidade servem como base para o planejamento de políticas públicas”

Em entrevista à Anoreg/PR, a presidente do Conselho Regional de Psicologia do Paraná (CRP/PR) falou sobre os desafios da igualdade de gênero e do empoderamento feminino no Brasil

A presidente do Conselho Regional de Psicologia do Paraná (CRP/PR), Célia Mazza de Souza, é formada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), psicoterapeuta sistêmica, especialista em Administração, Planejamento e Gestão pela FAE Business School e membro da ONG "Mães pela Diversidade".

Em entrevista exclusiva à Associação dos Notários e Registradores do Estado do Paraná (Anoreg/PR), a psicóloga abordou as discussões que envolvem a temática de igualdade de gênero e o empoderamento de mulheres e meninas, com base no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 5, da Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas (ONU), que incluem esse direito humano e fundamental.

Confira a entrevista completa:

Anoreg/PR – O cenário no Brasil ainda é de muita desigualdade de gênero e inúmeros casos de violências psicológicas e físicas. Quais são os caminhos para resolver tais questões?

Célia Mazza de Souza – É preciso investimento nas políticas públicas, considerando que é necessário enfrentar o machismo e o patriarcado, por meio da educação; ter alternativas de acolhimento; trabalho e renda dignos para as mulheres que sofrem as mais diversas violências. Assim como é preciso enfrentar o racismo estrutural que, junto com o machismo, observamos as estatísticas do quanto a população negra tem menos acesso aos direitos sociais e à conquista de lugares de poder (gerências e diretorias) nas escolas e empresas de um modo geral.

Anoreg/PR – Com as discussões sobre igualdade de gênero mais acaloradas nos últimos tempos, potencializadas pela internet, as mulheres estão tendo mais confiança e assistência para denunciar casos de abusos ou assédios?

Célia Mazza de Souza – Com muito suor, dor, alto custo emocional e físico, as mulheres vêm conquistando mais espaços, principalmente, se compararmos com gerações passadas. Ainda há muita resistência às mudanças de comportamento, as mulheres ainda são caladas, violentadas, agredidas de todas as formas e mortas por serem objetificadas. Temos muito a mudar, considerando que ainda, à revelia da Constituição Federal e do novo Código Civil brasileiro, há muitas práticas e discursos opressores, em especial, no que tange à violência doméstica. Ainda há um desestímulo à denúncia e muita culpabilização das vítimas de violência.

Anoreg/PR – Conforme determina o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 5, que integra a Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas (ONU), é preciso estabelecer metas para alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas, com ações que devem ser colocadas em prática pelos 193 países-membro da ONU. Acredita que essas metas estão sendo cumpridas? De que forma?

Célia Mazza de Souza – A atual conjuntura brasileira nos faz duvidar do cumprimento de metas, tanto do desenvolvimento do milênio quanto do desenvolvimento sustentável, considerando que para isso é preciso investimento nas políticas públicas e acreditar na ciência. A aprovação da Emenda Constitucional nº 95/2016 fere de morte nossa evolução educativa, científica e social. Em um País que reviolenta, revitimiza e trata como “assassina” uma criança violada, abusada e que teve sua infância roubada por quem deveria protegê-la, não está nem perto de iniciar o cumprimento de uma das metas básicas do ODS 5, que é “eliminar todas as formas de violência contra todas as mulheres e meninas nas esferas públicas e privadas, incluindo o tráfico e exploração sexual e de outros tipos”.

Anoreg/PR – Existem falhas no âmbito jurídico em relação às denúncias de violência contra mulheres? Se sim, quais são as dificuldades e por que ainda acontecem?

Célia Mazza de Souza – Ainda fazendo menção ao ODS 5, aqui vale destacar outra meta: “Garantir a participação plena e efetiva das mulheres e a igualdade de oportunidades para a liderança em todos os níveis de tomada de decisão na vida política, econômica e pública”. Ouso dizer que nossa justiça não é cega e sua balança já traz o peso pendendo a favor dos homens, brancos, cisgêneros, heterossexuais, da classe média e alta. Somente quando mais mulheres ocuparem espaços de poder e decisórios veremos alguma mudança significativa. Ainda é absurdo que homens agressores saiam impunes e as vítimas sejam humilhadas e desacreditadas por meio de perguntas sobre onde estava, como estava vestida, se havia bebido ou usado droga. Em tom de julgamento moral a desqualificar a pessoa. Quando vamos começar a educar nossos meninos para respeitarem as meninas? Quando vamos conquistar a igualdade de direitos de ir e vir sem medo? Quando as mulheres deixarão de ser tratadas como propriedade, portanto, objetos?

Anoreg/PR – De que forma o trabalho como psicóloga contribui para a conscientização da importância das denúncias por parte da mulher, para que seja rompido o ciclo de violência? Como isso contribui, também, para o empoderamento feminino e a igualdade de gênero?

Célia Mazza de Souza – O trabalho da psicologia é um processo em que a escuta qualificada e empática auxilia a pessoa a tomar suas decisões com consciência e maior segurança. A denúncia é fundamental, mas a pessoa precisa estar segura para fazê-la; sentir-se dona de sua vida e destino; saber que tem direito à vida e ao respeito. A começar pelo respeito de ser ouvida com justiça. E este ainda é um grande desafio!

Anoreg/PR – Quais são as principais ações e os principais desafios em sua atuação para a promoção da igualdade de gênero?

Célia Mazza de Souza – No âmbito do Conselho, estamos em constante debate e produzindo notas técnicas para orientar a nossa categoria profissional, eminentemente feminina. Nos movimentos que participo, buscamos ampliar as redes de contato e fortalecimento dos laços. No consultório, escuto com respeito e muita empatia a dor de quem me procura, em geral, em momento de maior fragilidade e precisando de acolhimento e tempo para se reorganizar e passar a ser dona de sua vida e planos. Os desafios maiores estão ligados ao enfrentamento ao machismo e racismo estruturais em nossa sociedade.

Anoreg/PR – As centrais eletrônicas dos Cartórios podem atuar no levantamento de dados que apontem desigualdades entre homens e mulheres. A iniciativa pode ser usada para fomentar denúncias e gerar indicadores para políticas públicas?

Célia Mazza de Souza – Certamente os dados levantados com fidedignidade servem como base para o planejamento das políticas públicas, que devem ser construídas com a participação dos movimentos e redes de mulheres com acesso a informações mais precisas, para pressionar os diferentes setores da sociedade por mudanças necessárias ao desenvolvimento e bem comum.

Fonte: Assessoria de Comunicação Anoreg/PR