“É preciso ousar e ampliar o rol de atribuições das delegações extrajudiciais”

“É preciso ousar e ampliar o rol de atribuições das delegações extrajudiciais”

Em entrevista à Anoreg/PR, o acadêmico e desembargador aposentado do TJ/SP, José Renato Nalini, fala sobre a necessidade do avanço dos serviços extrajudiciais e sua participação da Academia Paranaense de Direito Notarial e Registral

Eleito a presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ/SP) na gestão 2014/2015 e corregedor-ceral da Justiça na gestão 2012/2013, o desembargador aposentado José Renato Nalini é graduado em Direito pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, obtendo Mestrado e Doutorado na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, na área de Direito Constitucional.

Foi Promotor de Justiça de 1973 a 1976 e, submetendo-se a novo concurso público de provas e títulos, ingressou na Magistratura em 1976 atuando nas Comarcas de Barretos, Monte Azul Paulista, Itu, Jundiaí e São Paulo. Promovido ao TJ/SP em 2004, passou a integrar a Seção de Direito Público e acumulou a Câmara Reservada ao Meio Ambiente, de 2005 a 2015.

Como Corregedor, visitou todos os cartórios extrajudiciais do Estado de São Paulo, incentivou a conciliação e a mediação em todos os espaços e, como Presidente, promoveu a transformação dos Foros Distritais em Comarcas e elevou várias comarcas a estágios superiores. Renunciou há cinco anos à magistratura paulista para assumir a Secretaria Estadual da Educação.

Estagiou na Escola Nacional da Magistratura Francesa, no Centro de Estudos Judiciários de Portugal, no Instituto de Pesquisas Jurídicas do Japão e nas Escolas de Barcelona, de Trier e de Roma. Escreveu mais de trinta livros. O seu "Ética Geral e Profissional" encontra-se na 13ª edição. Leciona desde 1969 em Faculdades de Direito e integra Bancas de Qualificação, de Mestrado e Doutorado em inúmeras Escolas Superiores. Atualmente é professor no curso de mestrado da UNINOVE. Além disso, foi Secretário de Estado entre janeiro de 2016 e abril de 2018.

A partir de 2008 assumiu a Reitoria da UNIREGISTRAL, a Universidade Corporativa da Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo (Arisp). Atualmente, é presidente da Academia Paulista de Letras e atua como advogado.

Acadêmico detentor da 2ª Cadeira na Academia Paranaense de Direito Notarial e Registral, o desembargador concedeu entrevista à Associação dos Notários e Registradores do Estado do Paraná (Anoreg/PR) para falar sobre os serviços prestados pelos cartórios extrajudiciais e as expectativas de trabalhos e futuros projetos junto à Academia.

Confira abaixo a entrevista na íntegra.

 

Anoreg/PR – Como avalia a importância do trabalho promovido pelos cartórios extrajudiciais em prol da população e da desjudicialização? 

José Renato Nalini - É praticamente um mantra que repito desde 1988: a mais inteligente estratégia do constituinte de 1988 foi converter os antigos cartórios em delegações estatais extrajudiciais. O Estado confere a um particular uma atividade essencialmente estatal, confia sua seleção, fiscalização e controle ao Judiciário e não investe um centavo nos serviços desenvolvidos por esses agentes qualificados e eficientes. Ao contrário, leva para o Erário considerável percentual dos emolumentos, os custos dos préstimos por eles concretizados. O exercício como iniciativa privada acelerou a capacidade de prestar serviços cada vez mais eficientes, antecipando-se – na adoção das modernas tecnologias da informação e da comunicação – ao próprio Estado. Principalmente em relação ao Poder Judiciário, que sobre as delegações exerce um jugo nem sempre suave. Elas podem e devem abarcar atribuições não conflitivas, para impedir que haja demanda reprimida e também para obviar a perigosa tendência do crescimento vegetativo do sistema Justiça, rumo ao infinito e cada vez mais questionado por uma sociedade iníqua e desigual como a brasileira.

 

Anoreg/PR – Durante a pandemia, os cartórios passaram por uma grande revolução tecnológica, efetivando grande parte dos atos de forma online. Como avalia a presença da tecnologia na prestação de serviços extrajudiciais? 

José Renato Nalini - O avanço tecnológico das delegações extrajudiciais é evidente. Sem as amarras burocráticas do serviço estatal da administração direta, houve desenvoltura dos delegatários para a adoção de práticas somente depois utilizadas pelo sistema da Justiça. A severa seleção dos titulares das serventias dotou todas as categorias de verdadeiros polímatas, pois conhecem informática, eletrônica, telemática, gestão, cultivam com facilidade as competências socioemocionais que a educação tradicional negligenciou e se converteram num dos “cases” mais exitosos da República Federativa do Brasil. O resultado seria ainda maior se o CNJ incentivasse a criatividade, a engenhosidade, favorecesse a ousadia, para que o extrajudicial suprisse as deficiências de um sistema ainda sofisticado e arcaico para a realidade brasileira, com cinco Justiças, duas delas comuns, quatro instâncias e inúmeras possibilidades de reapreciação do mesmo tema, diante de um quadro recursal caótico e surreal.

Anoreg/PR – O senhor foi presidente e corregedor-geral do Tribunal de Justiça de São Paulo entre os anos de 2012 e 2015. Quais foram as principais iniciativas feitas junto ao foro extrajudicial durante a sua gestão?

José Renato Nalini - Na verdade, recebi mais do extrajudicial do que ofereci ao setor. Foram as delegações extrajudiciais que permitiram a instalação dos “cartórios do futuro”, aparelharam as Varas de Registros Públicos, propiciaram a experiência da audiência de custódia, na feliz coincidência – e digo que não há coincidência, o que chamamos assim não é senão a lógica da Providência – de estar na presidência do STF o ministro Ricardo Lewandowski e na Secretaria da Justiça o hoje ministro Alexandre de Moraes. São Paulo inovou e, mais uma vez, foi pioneiro nessa iniciativa. Mas contei com uma equipe muito afinada e audaciosa, que reviu e atualizou as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, conferiu notável avanço à Regularização Fundiária, que deveria ser um tema de política de Estado e que é cada dia mais importante no momento em que a economia tupiniquim fragilizada precisa de alavancas de regeneração. A única frustração foi a suspensão, pelo CNJ, do Provimento que instaurava a conciliação extrajudicial, mera leitura do que já dispõe a lei de regência dos serviços notariais e registrais, por um ato monocrático da representante da OAB, justamente a entidade que questionou essa providência salutar, que só veio a surgir cinco anos depois.

Anoreg/PR – Atualmente, o senhor é detentor da Cadeira n. 2 na Academia Paranaense de Direito Notarial e Registral. Como avalia a iniciativa da Anoreg/PR na criação da Academia?

José Renato Nalini - As Academias constituem uma resistência para o menosprezo à cultura, alimentado por um consumismo irracional e imediatista. É no seio de instituições como a Academia – e penso nesse verbete com uma compreensão dilatada e genérica – que se pode cultivar a verdade, o bem e o belo. Valores que se confundem quando pessoas de bem e com reta intenção se congregam sem outro objetivo, senão a busca da perfectibilidade humana. Louvo a Anoreg/PR e a Dra. Mônica Della Vecchia, além do desembargador Ricardo Henry Marques Dip, os idealizadores desta auspiciosa jornada que ora se inicia com tanto brilho.

Anoreg/PRQuais são as expectativas para os estudos que poderão ser desenvolvidos na Academia Paranaense?

José Renato Nalini - Estou impregnado da cultura ESG, um conceito que pode ser a tábua de salvação para um planeta prestes ao exaurimento de suas condições de continuar a ser o habitat para qualquer espécie de vida. Penso que as delegações extrajudiciais poderão desenvolver excelente trabalho para a absorção desse conceito e para revolucionar todo o sistema Justiça, a partir de sua desenvoltura. O futuro é imprevisível e inesperado. Cumpre estar atento para mostrar que a solução do constituinte em relação às delegações extrajudiciais deveria servir para outros encargos do Estado, cuja estrutura tentacular não condiz com o PIB nacional. No seio de uma Instituição como a Academia Paranaense de Direito Notarial e Registral poderão se desenvolver estudos tendentes a uma urgente reinvenção do Estado, a partir do seu sistema Justiça.

Anoreg/PRQual sua visão sobre o futuro da atuação extrajudicial na prestação dos serviços à população?

José Renato Nalini - É preciso ousar e ampliar o rol de atribuições das delegações extrajudiciais, pois sua eficiência é muito superior à de qualquer organismo estatal. Ainda há muito a ser explorado e as urgências da facilitação do crédito abrem inúmeras perspectivas para as serventias, assim como a conversão do Registro Civil das Pessoas Naturais em “Ofícios de Cidadania” precisa servir de inspiração para as demais categorias. Todas elas podem suprir a burocracia estatal e oferecer à população serviços de melhor qualidade, sempre com dispêndio menor do que aquele verificado na prestação direta. Uma Academia é a instância adequada para preservar a qualidade e a tradição dos serviços desempenhados pelos antigos cartórios, mas adentrar sem receio ao universo da profunda mutação gerada pela Quarta Revolução Industrial. E consta que a Quinta está a caminho...

Fonte: Assessoria de Comunicação – Anoreg/PR