“Os Cartórios prestam um serviço de excelência e já possuem o dever de guarda e sigilo inerentes a atividade”

“Os Cartórios prestam um serviço de excelência e já possuem o dever de guarda e sigilo inerentes a atividade”

Especialista em LGPD, a advogada Laura Porto concede entrevista à Aripar sobre as especificidades da Lei de Proteção de Dados ao Registro de Imóveis

Com o objetivo de apresentar mais detalhes e esclarecimentos sobre a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) e seus impactos, em especial para o Registro de Imóveis, a Associação dos Registradores de Imóveis do Paraná (Aripar) conversou com a advogada, professora, consultora jurídica especializada em Direito Digital, LGPD, compliance e extrajudicial, Laura Porto, uma das referências nacionais no estudo sobre a LGPD.

Na entrevista, a advogada fala sobre a importância dos cartórios extrajudiciais se adequarem à Lei e de como realizar os processos, com adaptações a serem feitas na rotina das serventias, a fim de otimizar o trabalho e a proteção de dados pessoais, além de esclarecer especificidades da Lei em diversas situações, e por onde começar as mudanças visando a conformidade com a LGPD.

Confira a entrevista completa:

Aripar – Em sua opinião, qual a principal missão da LGPD em vigor no Brasil?

Laura Porto – Temos aqui alguns pontos, o primeiro é a conscientização de toda uma população, e me explico, a Lei Geral de Proteção de Dados veio nos trazer um aculturamento sobre a temática da proteção de dados pessoais, e o por que digo isto? Porque nós, brasileiros, nunca havíamos nos preocupado de fato com nossos dados pessoais, o que faziam com eles, quem os tinha e outros pontos, e foi por meio desta lei que começamos a nos preocupar com esta temática. O melhor seria de fato, que tivéssemos tido uma cultura de proteção de dados no País, para após, termos uma lei que a regulamentasse, mas já que tivemos isto às avessas, não há problema, vamos aprender junto com a lei a melhor forma de cuidar e nos preocupar com nossos dados pessoais. Segundo ponto e não menos importante, a lei veio regulamentar a forma como os dados pessoais devem ser utilizados, e somos nós, os titulares de dados pessoais, as pessoas naturais, as figuras principais da lei, as quais ela vem protegendo de uma forma importantíssima. Vivemos em meio a tecnologias disruptivas, temos inovações tecnológicas todos os dias e nós usamos dos meios digitais, cada vez mais, justo se faz que haja uma lei que nos proteja, afinal, quem é que gosta de receber ligações de desconhecidos nos oferecendo produtos e serviços, que se quer sabemos onde conseguiram nosso número pessoal. Mas a ideia da lei vai muito além disso, com empresas traçando nossos perfis online e se utilizando de diversas tecnologias para nos induzir a compras e até mesmo escolhas políticas, induções que se quer nos damos conta. Todos os dias temos notícias de novos vazamentos de dados pessoais, o pensamento que fica é até que ponto nossos dados estão realmente seguros.

 

Aripar – Quais são as particularidades da LGPD para o Registro de Imóveis? Quais adequações são necessárias para garantir a proteção de dados?

Laura Porto – As serventias extrajudiciais são, sem dúvida, um dos maiores detentores de dados pessoais no Brasil, tratando dados pessoais desde o nascimento, pelo decorrer de toda a vida civil até o óbito e atos posteriores, sendo assim, a importância das serventias extrajudiciais se adequarem é imensa. Tivemos os cartórios sendo citados na letra da Lei (LGPD) e brinco que não há melhor lugar para pensar nessa adequação do que nas serventias extrajudiciais, pois, estas, prestam um serviço de excelência e já possuem o dever de guarda e sigilo inerentes a atividade. Mas a Lei traz diversas peculiaridades, que são de fato necessárias para estar adequado a tudo que é imposto, como a elaboração de diversos documentos específicos. Um processo de adequação é extremamente minucioso, seja em um RI ou qualquer outra especialidade, deve-se seguir etapas, e estas são de fato demoradas até a conclusão de um projeto, pois fazemos uma análise da entrada do dado pessoal na serventia, até a sua possível exclusão ou não, tudo o que ocorre com os dados pessoais deve estar documentado. Garantir a proteção de dados pessoais é visualizar todos os processos dentro de uma serventia e implementar não só um compliance em proteção de dados, mas uma gestão de proteção de dados, isto requer não só a adequação de ponta a ponta, mas também um monitoramento constante dos processos.

 

Aripar – O que é essencial para implementar a LGPD num cartório de Registro de Imóveis?

Laura Porto – Essencial é de fato ter a consciência de todos os processos que existem no cartório que envolvam dados pessoais, e ter documentado como estes são feitos, quem tem acesso, como está a proteção dos dados em meio digital e físico, qual lei autoriza o tratamento daqueles dados pessoais específicos, com quem há o compartilhamento destes, criar uma política de descarte dos dados, enfim, a lista é enorme, mas se não soubermos todos os processos, não é possível realizar uma correta gestão. Mas o que jamais pode faltar em qualquer implementação é o treinamento da equipe, há um tripé importantíssimo que se dá por: processos, tecnologia e pessoas. De nada adianta ter processos super bem estruturados, com tecnologias extremamente aptas, se as pessoas que estão inseridas neste contexto não souberem como lidar com os dados. Logo, oferecer treinamento sobre a LGPD para a equipe é mais do que fundamental.

 

Aripar – Como avalia a implementação da Lei nas atividades registrais e nas funções do registrador imobiliário?

Laura Porto – Como citei anteriormente, as serventias extrajudiciais prestam serviços excelentes, com a guarda e sigilo de dados pessoais, inseridos em sua atividade. Implementar a LGPD é apenas trazer um resguardo a mais para algo que já é efetivo. O que irá ocorrer é a criação de uma gestão interna ainda mais eficiente, trazendo mais segurança para toda uma sociedade que tanto se utiliza dos serviços extrajudiciais. Cabe ressaltar que os maiores “gaps” encontrados em um processo de adequação são nos meios físicos, por exemplo, aquele papel que é impresso com dados pessoais para conferência do título antes de sua definitiva produção e fica “largada” na mesa com diversos dados pessoais, ou a cópia que saiu errada e circula na serventia como rascunho, enfim, todas as medidas físicas precisam ser reavaliadas.

 

Aripar – Com a LGPD, como ficam as publicidades dos Registros de Imóveis?

Laura Porto – Este é um ponto extremamente delicado, que creio que precisará ser repensado. Temos a publicidade dos atos registrarias, como princípio desta atividade, porém, quando entramos na discussão privacidade x publicidade, há uma longa problemática. Será que ainda hoje, caberia por exemplo, a emissão de certidões a qualquer pessoa, que se quer precisa informar o motivo pelo qual necessita daquelas informações? Ou mais, quando pensamos nas certidões de inteiro teor, que trazem uma bagagem histórica, com infindáveis dados pessoais, desde o primeiro registro “in tabula” até o período atual, será que é necessário de fato, expor esta quantidade de dados pessoais? Creio que haverá a necessidade de uma modulação da privacidade no âmbito registral.

 

Aripar – Os cartórios extrajudiciais são detentores de diversos dados pessoais e garantem segurança em todo o processo, mas com a Lei algo muda em relação a este usufruto de dados?

Laura Porto – Já sabemos que de fato as serventias garantem uma segurança muito grande aos dados pessoais, porém, a Lei traz um aprofundamento desta segurança. Pensemos, por exemplo, nos itens do Provimento n° 74 de 2018, para muitos o “mínimo” exigido pelo Provimento já se faz dificultoso cumprir de ponta à ponta, aí vem a pergunta, “se eu estou adequado ao Prov. 74/18, já estou adequado à LGPD?”. E a resposta é não, ainda que a garantia da segurança trazida pelo provimento seja de fato boa, não é o suficiente para se adequar à LGPD. A Lei traz minuciosidades que precisarão ser cumpridas, e mais do que isto, temos o “accountability”, que é a “prestação de contas”, não basta estar adequado, você tem que ter formas e documentações que comprovem isto. A Lei impõe diversos pontos como os chamados principais “entregáveis”, como por exemplo, a eleição de um encarregado de dados pessoais, a criação de um canal de comunicação, onde neste, um titular poderá entrar em contato para saber sobre qualquer tratamento que o cartório realiza em seu dado, dentre diversos outros direitos trazidos pela lei ao titular e que o delegatário deve estar preparado para cumprir. Assim como a elaboração e publicização de Política de Privacidade, Política de Privacidade Interna referente aos funcionários, Política de Cookies (site), Política de Descarte dos Dados, Resposta à incidentes, enfim, a lista é bem longa.

 

Aripar – Nesta era de informação polarizada, com economia e os negócios baseados em dados, qual a importância de ter os dados pessoais, inclusive nos meios digitais, protegidos no Brasil?

Laura Porto – Imensa, como disse anteriormente, nunca tivemos uma regulamentação mínima para o uso dos dados pessoais no País, e sabemos que a frase do CEO da Mastercard (Ajay Banga), “Os dados são o novo petróleo, mas com a diferença de que o petróleo é findável e os dados não”, nos mostra a importância e o valor que um dado pessoal tem na economia atual. Nossos dados são hoje os maiores ativos das empresas, e a proteção destes, que veio tardia, mas ainda extremamente bem-vinda, é essencial. Precisamos nos preocupar com o que fazem com os nossos dados pessoais, ainda mais agora, com uma regulamentação específica. Pensando na questão econômica do País, cabe ressaltar que o País constava da lista europeia (que muito nos embasamos, pois a lei de proteção de dados europeia “GDPR” foi nossa inspiração para a criação da LGPD), como não confiável à título de proteção de dados pessoais, o que tende a mudar com a LGPD e seu órgão fiscalizador ANPD. E ainda cabe citar a PEC 17/2019, que visa a alteração da Constituição Federal para incluir a proteção de dados pessoais entre os direitos e garantias fundamentais, isto nos traz uma ideia da importância do tema.

 

Aripar – A aplicação da LGPD vai alterar o funcionamento dos bancos de dados. Em relação aos cartórios extrajudiciais que utilizam plataformas online, como fazer a correta gestão dos dados?

Laura Porto – Há a necessidade de pensar em privacidade e proteção de dados em todas as ações e processos que são realizados. Muitos perguntam se algumas ações são agora proibidas pela Lei, e a resposta é que não, apenas há a necessidade de que haja uma base legal que autorize o compartilhamento e o uso de banco de dados. Assim como um pensamento mais abrangente, como quem tem acesso, se o acesso é monitorado, se há medidas de segurança instaladas nas máquinas, como antivírus e firewall, enfim, proteger os dados de todas as formas.

 

Fonte: Assessoria de Comunicação – Aripar