(da série Registros sobre Registros, n. 253)
Des. Ricardo Dip
923. Haja ou não incorporação −e seu registro−, uma vez concluída a construção do prédio, com seu averbamento obrigatório no ofício imobiliário, dá-se ensejo à fase de instituição condominial.
Essa instituição previa-se já no art. 7º da Lei brasileira 4.591, de 1964 −“O condomínio por unidades autônomas instituir-se-á por ato entre vivos ou por testamento, com inscrição obrigatória no Registro de Imóvel, dele constando; a individualização de cada unidade, sua identificação e discriminação, bem como a fração ideal sobre o terreno e partes comuns, atribuída a cada unidade, dispensando-se a descrição interna da unidade”−, sendo então objeto do art. 14 do Decreto 55.815/1965 (de 8-3), que estabelecer normas para a escrituração dos registros criados pela Lei 4.591 (lia-se nesse art. 14: “Far-se-á o registro da Convenção do Condomínio no Registro de Imóveis bem como a averbação de suas eventuais alterações, e, instituído o condomínio por unidades autônomas a inscrição conterá a individuação, identificação e discriminação de cada uma, bem como a fração ideal do terreno e partes comuns correspondentes”; o Decreto 55.815 foi revogado pelo Decreto 11, de 18 de janeiro de 1991.
Posteriormente, o Código civil de 2002, depois de assentar em regra geral (art. 1.227) que, ressalvadas exceções expressas (p.ex., o usufruto de imóvel que resulte de usucapião: art. 1.391 do mesmo Código), “os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247)…”, também tratou da instituição condominial, dispondo em seu art. 1.332: “Institui-se o condomínio edilício por ato entre vivos ou testamento, registrado no Cartório de Registro de Imóveis, devendo constar daquele ato, além do disposto em lei especial: I -a discriminação e individualização das unidades de propriedade exclusiva, estremadas uma das outras e das partes comuns; II -a determinação da fração ideal atribuída a cada unidade, relativamente ao terreno e partes comuns; III -o fim a que as unidades se destinam”.
Instituir é, na linguagem comum, começar, fundar, criar, estabelecer, organizar de maneira mais ou menos duradoura; nosso vernáculo «instituir» provém do verbo latino instituo (infinitivo instituere -cf. Antônio Geraldo da Cunha), que, entre outras acepções, possui as de regular, produzir, fabricar, construir, ordenar (vidē Francisco Torrinha). Daí que se possa dizer seja a instituição do condomínio sua mesma constituição jurídica, o que bem observou Flauzilino Araújo dos Santos, afirmando-a “ato vital constitutivo” (o.c., p. 86). O que se cria, estabelece ou começa com essa instituição é a vida jurídica do prédio subordinada ao regime jurídico da compropriedade edilícia. Antes do registro da instituição condominial, haja ou não o registro transitório de uma correspondente incorporação, o que não há é a constituição de um condomínio edilício; com a instituição, submetido o edifício ao regime jurídico de natureza condominial, ordenam-se as relações de direito entre os vários proprietários das unidades autônomas, tanto entre si, quanto acerca do edifício (assim o disse Narciso Orlandi Neto, apud Nascimento Franco e Nisske Gondo).
O que muito distingue, de um lado, a incorporação edilícia e, de outro, sua instituição está em que esta última supõe a corporeidade do prédio, ou seja, sua construção concluída e cujo prévio averbamento é requisito indispensável para o registro da instituição (cf. Fioranelli, p. 591). Mas é preciso salientar que a incorporação é apenas um dos modos possíveis para a posterior constituição de um condomínio, podendo este instituir-se à míngua de anterior incorporação (p.ex., quando, sem antecipação de alienações, várias pessoas edifiquem um prédio de apartamentos ou escritórios; ou quando se trate da divisão de um imóvel até então de compropriedade indivisa −cf. outras hipóteses em Flauzilino Araújo dos Santos, p. 87-91).
O título institutivo do condomínio pode ser um ato inter vivos ou um testamento, num e noutro sendo de exigir a observância de uma peculiar especialidade objetiva, que vem prescrita nos incisos do art. 1.332 do vigente Código civil brasileiro, a saber: (i) a discriminação e individualização das unidades de propriedade exclusiva, estremadas uma das outras e das partes comuns; (ii) a determinação da fração ideal atribuída a cada unidade, relativamente ao terreno e partes comuns; (iii) o fim a que as unidades se destinam. Disso deriva que não seja nada infrequente falar-se em instituição e especificação do condomínio, pondo-se assim em destaque a necessidade de observar os imperativos da especialidade ou especificidade objetiva.
O registro da instituição (e especificação) do condomínio deve preceder-se obrigatoriamente da averbação da obra concluída, o que exige −como já o deixamos dito (Registros sobre registros 248, item 912)− apresente o proprietário, seja pessoa física, seja pessoa jurídica, certidão negativa de débito previdenciário, nos termos do que prevê o inciso II do art. 47 da Lei 8.212/1991 (de 24-7). Lê-se, com efeito, no art. 44 da Lei 4.591, de 1964, que, “após a concessão do "habite-se" pela autoridade administrativa, o incorporador deverá requerer a averbação da construção das edificações, para efeito de individualização e discriminação das unidades, respondendo perante os adquirentes pelas perdas e danos que resultem da demora no cumprimento dessa obrigação”. Saliente-se que, nos termos da normativa de regência, se a edificação do prédio anteceder-se de incorporação, e o incorporador não diligenciar o averbamento da construção concluída, caberá ao construtor requerê-la “sob pena de ficar solidariamente responsável com o incorporador perante os adquirentes” (§ 1º do art. 44 da Lei 4.591). Se a omissão for do
do incorporador e do construtor, dispõe a mesma Lei 4.591 (§ 2º do art. 44) que “a averbação poderá ser requerida por qualquer dos adquirentes de unidade”.
Como se vê, a conclusão da obra deve ser confirmada por meio de documento oficial −o auto de conclusão (que, em algumas normativas, designa-se carta de habitação e habite-se, assim o refere o art. 44 da Lei 4.591)− expedido pelas administrações municipais competentes. Tal o fez ver Hely Lopes Meirelles (Direito de construir, 1979, p. 173), o município, mediante o controle das construções, “tem o duplo objetivo de garantir a estrutura e a forma da edificação, e de harmonizá-la no agregado urbano, para maior funcionalidade, segurança, salubridade e estética da cidade”. De par com uma atividade de controle preventivo das construções −que se confirma com o alvará de licença municipal para construir, documento que se remete à aprovação prévia do projeto edilício, e sem prejuízo de um controle incidental relativo à regularidade da execução construtiva em curso (o que pode, na hipótese de não observância do projeto, acarretar o embargo das obras ou até sua demolição), tem ainda a administração municipal o controle posterior do construído, a fim de verificar se a obra respeitou o projeto aprovado.
Por fim, calha referir que, acenando a julgado proferido, em maio de 2005, pelo Conselho Superior da Magistratura de São Paulo, Vitor Kümpel e Carla Ferrari (o.c., vol. 5, tomo II, p. 2.554), abonam-lhe o entendimento no sentido de que o título da instituição condominial apresentado ao cartório de registro predial competente deva estar assinado pela totalidade dos condôminos (o que inclui os cônjuges, quando o caso), para, assim, atender-se à regular disponibilidade jurídica do imóvel, uma vez que a submissão jurídica do domínio a dado regime deve ser consentido por todos os comproprietários.