(da série Registros sobre Registros n. 403)
Des. Ricardo Dip
1.206. O item 12 do inciso II do art. 167 da Lei 6.015, de 1973, diz respeito à averbação «das decisões, recursos e seus efeitos, que tenham por objeto atos ou títulos registrados ou averbados».
Esse dispositivo, mais além do que prontamente se extrai de sua textualidade, teve a façanha −por mais que, em rigor, não se pudesse dizê-la suficientemente escorada no texto legal− de ser o alicerce principal da tese, de todo bem-vinda, por sinal, de que as averbações imobiliárias não se encontram previstas na lei in numero clauso.
É que, de não especificar a lei, quais decisões e recursos poderiam averbar-se, extraiu-se a conclusão, até aqui com certo ar de boa inferência, de que todos os títulos judiciais −suposto referíveis a um objeto imobiliário constante de registro ou averbação no ofício imobiliário− poderiam ser averbáveis.
Daí, porém, atravessar o Rubicão vai toda uma distância. Alargou-se a conclusão, enfim, para abranger não importa quais títulos, abraçando-os todos, não só sem dar relevo à origem judicial (que se supôs, restritivamente, por boa parte das apreciações), mas também extrapolando as ideias nucleares de «decisões» e «recursos», para hospedar todos os títulos.
Posto à margem esse pouco ou nenhum rigor fundacional, reitere-se o acertado da solução de ampliarem-se hipóteses de averbação nos cartórios de registro de imóveis. Isso não deve levar, no entanto, ao equívoco de sustentar, em contraposição, uma suposta taxatividade da lista dos títulos registráveis, em sentido estrito, no ofício imobiliário.
Nada impede, com efeito, reconhecer estarem os elencos dos incisos I e II do art. 167 da Lei 6.015 ambos em numerus apertus. Ressalvar condições para essa hospedagem ampla dos títulos não é o mesmo que inibir, a priori, por conjecturável caráter taxativo, seu registro em acepção estrita.
1.207. Diz o item 12 do inciso II do aludido art. 167 que se averbam, no ofício predial, «decisões, recursos e seus efeitos, que tenham por objeto atos ou títulos registrados ou averbados».
Comecemos pela impressão inicial (que não parece a mais acertada) de que as noções de «decisão« e «recurso», no dispositivo desse item 12, são marcadas por seu caráter judicial.
O conceito normativo estrito de decisão judicial −assim, a propósito, o que estampa o vigente Código de processo civil (§ 2º do art. 203)− é costumeiramente recortado, de modo negativo, mediante confronto com a noção de sentença.
Se, com efeito, sentença é «o pronunciamento por meio do qual o juiz (…) põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução» (§ 1º do art. 203 do Código de processo civil brasileiro de 2015), a decisão é todo pronunciamento judicial em que, constante o caráter decisório, não se ponha fim à fase cognitiva do processo ou de sua execução (§ 2º do mesmo art. 203).
Bem se adivinha que, nesse item 12 do inciso II do art. 167 da Lei 6.015, o termo «decisão» hospede o conceito de «sentença».
Não teria mesmo sentido que, admitido o averbamento de uma decisão interlocutória (i.e., um pronunciamento judiciário incidental no processo), não se admitisse, por maioria de razão, o averbamento de uma sentença, vale dizer, de um pronunciamento judicial que pusesse fim a um processo. Assinale-se, no mais, que a ideia de terminação de um processo não é limitada à noção estrita de «sentença», abarcando também o conceito de acórdão, contanto que ponha fim ao processo: acórdão é «o julgamento colegiado proferido pelos tribunais» (art. 204 do Código de processo civil).
Assim, na mesma linha, a ideia de «decisão» não se restringe às instâncias de juízes singulares (a chamada «primeira instância»), empolgando as decisões incidentais de segundo grau (ou seja, decisões interlocutórias nos tribunais), o que inclui, nos mesmos tribunais, as decisões monocráticas que finalizem os processos.
Não é só. Tem-se ainda de examinar algo mais, a saber: se esse termo «decisão» aparta a ideia de despacho de mero expediente.
Que são esses «despachos»?
São todos os pronunciamentos processuais do juiz que não sejam sentença, nem decisão interlocutória (§3º do art. 203 do Código de processo civil).
Parece côngruo admitir que esses despachos também se incluam na compreensão do termo «decisão» do aludido item 12 do inciso II do art. 167. Pode mesmo ir-se além para reconhecer que, por igual, também os atos meramente ordinatórios (os que independem de despacho e são praticados de ofício pelo servidor do juízo −§ 4º do art. 203 do Código) caibam compreender-se no conceito de «decisão» que ora se examina. Bastaria pensar que o só ajuizamento de uma execução não reclama pronunciamento judicial, cabendo aos escreventes judiciais (tanto que autorizados) proceder à correspondente autuação; calha que esse ajuizamento é já o quanto basta para atrair a averbação no registro de imóveis, como se lê no inciso IX do art. 799 do Código, indicando-se incumbir ao exequente «proceder à averbação em registro público do ato de propositura da execução e dos atos de constrição realizados, para conhecimento de terceiros».
1.208. Com símile amplificada ideia de «decisão», hospedando, além das decisões em sentido estrito, acórdãos, sentenças, despachos e atos meramente ordinatórios, poderia parecer menos útil referir-se a lei à averbação de «recursos e seus efeitos».
Todavia, sobretudo quando a um recurso se atribua efeito suspensivo, já se põe suficientemente à mostra relevância o averbamento dessa suspensão.
Por evidente −e isto igualmente se estende à noção geral e ampliada de «decisão»−, os recursos a que se reporta o item 12 do inciso II do art. 167 da Lei de registros públicos abrangem toda a série de meios impugnativos de devolução em processos judiciais (civis, criminais, trabalhistas, eleitorais, etc.).
Mas então se põe já uma primeira questão: recrutaria também os processos judiciais administrativos? Parece razoável admitir que sim, ao menos segundo o entendimento predominante nas jurisprudências doutrinal e pretoriana; tenha-se em conta o exemplo do «bloqueio», que, antes mesmo da atual previsão do art. 214 da Lei 6.015, já era correntio por determinação judicial em via não contenciosa.
Logo, porém, deve considerar-se outra questão: podem decisões e recursos administrativos não judiciais averbar-se com escora no item 12 do inciso II do art. 167 da Lei 6.015?
A resposta, ainda aqui, deve ser afirmativa, mas, secundum quid, ou seja, desde que haja previsão legislativa expressa. Há nisso como que uma dada taxatividade que mitiga a asserção geral do caráter exemplificativo das averbações. Assim, p.ex., lê-se no art. 36 da Lei 6.024/1974 (de 13-3), assinalada a competência do Banco Central do Brasil para o decreto de indisponibilidade de bens; também na Lei 8.443/1992 (de 16-7), é atribuição do Tribunal de Contas da União decretar a indisponibilidade (§ 2º do art. 44). (Há ainda muitas indicações, e, a propósito, muito interessante é o estudo de Moacyr Petrocelli de Ávila Ribeiro, Da indisponibilidade de bens no registro de imóveis, ed. Irib, São Paulo, 2024).