Registro de compra e venda (décima-primeira parte)

(da série Registros sobre Registros, n. 309) 

                        Des. Ricardo Dip

1.031.      Para encerramos o capítulo referente ao registro da compra e venda de imóvel, falta-nos somente um breve exame acerca de algumas formas desse negócio jurídico de compra e venda, a saber, uma concisa apreciação sobre sua clausulação com retrovenda, a venda a contento, a venda alternativa, a venda facultativa, a venda de imóvel com reserva de domínio e a venda com pacto obrigacional de preferência. Esta lista de clausulações especiais da compra corresponde à adotada por Serpa Lopes, em seu Tratado dos registos públicos (itens 544 et sqq.).

Comecemos pela retrovenda, que é, entre nós, cláusula restrita à compra e venda de imóvel.

Nosso vigente Código civil cuida da retrovenda em seus arts. 505 a 508, dispondo que "o vendedor de coisa imóvel pode reservar-se o direito de recobrá-la no prazo máximo de decadência de três anos, restituindo o preço recebido e reembolsando as despesas do comprador, inclusive as que, durante o período de resgate, se efetuaram com a sua autorização escrita, ou para a realização de benfeitorias necessárias".

Está-se, pois, diante de um negócio contratual de compra e venda em que o alienante se beneficia com uma cláusula de reserva de recobro ou recuperação do imóvel objeto do pacto, com a contrapartida de restituir o preço recebido e de reembolsar as despesas arcadas pelo comprador, isto é, na expressão de Clóvis Beviláqua, "as despesas feitas com o contrato, e com os melhoramentos úteis e necessários".

Trata-se, e assim já no direito brasileiro anterior (art. 1.140 do Cód.civ. de 1916), de um pacto adjeto resolutivo e não de um novo contrato, como era no direito romano. Lê-se em Serpa Lopes: "(…) o vendedor tem, no exercício do direito de reaver a coisa, uma propriedade potencial, que faz parte de seu patrimônio, suscetível de cessão e de transmissão causa mortis" (item 544). Por isto que o vendedor é proprietário virtual do imóvel, não cabe, em princípio, tributação pelo só exercício do direito de retrovenda. É a posição a que se inclinam, entre outros, Caio Mário da Silva Pereira (Instituições..., item 225) e Carlos Roberto Gonçalves (Direito civil brasileiro -Contratos e atos unilaterais, p. 252).

Designadamente quanto ao registro do negócio da retrovenda, tem de apreciar-se a possibilidade de a cláusula ser objeto de título autônomo, ainda que, por evidente, conexionado ao da compra e venda.

Parcela importante da doutrina brasileira é no sentido de que deva a retrovenda constar do mesmo título formal (documento) da compra e venda. Neste sentido, por exemplo, Serpa Lopes, Carvalho Santos e Caio Mário da Silva Pereira, como fez ver Ademar Fioranelli (Direito registral imobiliário, p. 479 e 480). Também Carvalho de Mendonça: "(…) é de rigor que o pacto de retrovenda só possa ser feito no mesmo contrato de venda e expressar a obrigação de restituição do preço" (Contratos no direito civil brasileiro, I, p. 353).

Diversamente, no entanto, opinaram Washington de Barros Monteiro, Pontes de Miranda, Orlando Gomes, e, entre autores estrangeiros, por exemplo, Ennecerus e Lehmann. Nesta mesma linha, aponta-se antigo julgado da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo (proc. 153/87), confirmando sentença prolatada pelo magistrado Hélio Lobo Júnior. Recolhe-se desse julgado, a que faz remissão a doutrina de Ademar Fioranelli:

"Não exige a lei que em único título se trate do negócio jurídico principal e do pacto acessório. Autônomas que sejam suas instrumentações, nada impede que ao registro do principal concorra a averbação de cláusula acessória. A eficácia erga omnes da retrovenda (…) [art. 1.142 do Cód.civ. de 1916] não reclama a unitariedade da titulação mas apenas a publicidade da cláusula no sistema do registro imobiliário."

Ainda no que se refere, de maneira direta, ao registro da retrovenda, cabe observar a circunstância de o art. 507 do atual Código civil não repetir a cláusula final constante do art. 1.142 do Código civil de Beviláqua, cláusula essa que rendeu ensejo a discussões acerca da necessidade de inscrição da retrovenda. Esse art. 1.142 do Código de 1916 dispunha: "Na retrovenda, o vendedor conserva a sua ação contra os terceiros adquirentes da coisa retrovendida, ainda que eles não conhecessem a cláusula de retrato". Agora, tem-se no art. 507 do Código de 2002: "O direito de retrato, que é cessível e transmissível a herdeiros e legatários, poderá ser exercido contra o terceiro adquirente".

Sendo embora verdade que essa alteração não impediu, por exemplo, o entendimento de que, sem o registro (ou averbação), a retrovenda preservaria eficácia de direito pessoal (assim, Carlos Roberto Gonçalves), o fato é que a nova previsão legal (a do art. 507 do Cód.civ.) beneficia a inclinação, já prevalecente sob a vigência do Código anterior, de que "a cláusula resolutória −disse Clóvis Beviláqua− constante do título, deve estar transcrita".

Neste mesmo sentido, Serpa Lopes sustentou que "a retrovenda não dispensa, implicitamente, a transcrição para valer contra terceiros", prosseguindo:

"(…) a razão é clara: trata-se de um contrato de compra e venda condicional, dependendo a validade de sua condição, como já vimos, de vir corporificada num só título [aqui, a posição de Serpa Lopes contrária à possibilidade de pluralidade da titulação do principal e do acessório]. Para a constitutividade desse direito, para eficácia desse título único, é imprescindível a transcrição, a qual, a seu turno, indica existir, no caso, uma compra e venda subordinada a uma cláusula resolutória, um domínio resolúvel. Sem essa formalidade, o contrato não tem eficácia, o que equivale a dizer: sem a formalidade da transcrição do título de compra e venda com a cláusula retrovenda, nenhum direito pode exsurgir daí, quer os terceiros tenham ou não conhecimento desse contrato; nenhuma eficácia pode ter, nem mesmo em relação às partes contratantes, no sentido de transferir o domínio" (note-se que esse derradeiro argumento de Serpa Lopes se opõe ao entendimento de Carlos Roberto Gonçalves).

A orientação adotada pela Corregedoria Geral da Justiça paulista, no aludido processo 153/87, foi também no sentido de que "o termo inicial da eficácia erga omnes do pacto (…) é o de sua publicidade pelo registro".

Não foi outro o entendimento firmado por Ademar Fioranelli, que, de resto, muito antes da, entre nós, recente (e imprópria) alçada da técnica de concentração ao plano dos princípios hipotecários (ao que parece, princípios, pois, só brasileiros de direito registral), já observara que o registro imobiliário é "órgão concentrador e fonte maior de publicidade de todos os direitos reais", acrescentando: "não teria sentido omitir no registro de um contrato de compra e venda condicional a cláusula que ele se subordina, em caráter resolutório, o que importaria em lesão a razões de interesse social, preordenadas à garantia de terceiros, de sorte que esses mesmos terceiros que queiram adquirir o bem não aleguem ignorância, pois terão conhecimento de que é resolúvel a propriedade do alienante" (p. 481).

Saliente-se que, no prazo (máximo) decadencial para o exercício da retrovenda (prazo esse de três anos −art. 505 do Código civil de 2002), a despeito de preservar-se o domínio virtual do vendedor sobre o imóvel, o comprador é proprietário e, pois, detém o atributo de disponibilidade jurídica do imóvel, não se inibindo que o aliene ou que constitua direitos pessoais ou direitos reais menores referentes ao mesmo imóvel.