Registro de compra e venda (décima-terceira parte)

(da série Registros sobre Registros, n. 311)

Des. Ricardo Dip

1.033. Dando continuação ao exame do extenso capítulo referente ao registro da compra e venda imobiliária, e reiterando aqui a observação de que a largueza da matéria diz mais respeito aos títulos do que a seu registro, embora, de maneira indireta, a questão dos títulos interesse, por evidente, ao registrador, a quem incumbe (e enquanto incumbir) a tarefa de qualificação registral desses títulos.

A ressalva acima −a que diz "enquanto incumbir"− atende à circunstância de que, com a Lei brasileira 14.382/2022 (de 27-6), já nem sempre se oferecerá ao registrador a missão de qualificar títulos. Com efeito, dispõe o art. 6º dessa Lei 14.382: "Os oficiais dos registros públicos, quando cabível, receberão dos interessados, por meio do Serp [Sistema eletrônico dos registros públicos], os extratos eletrônicos para registro ou averbação de fatos, de atos e de negócios jurídicos, nos termos do inciso VIII do caput do art. 7º desta Lei". E prossegue o apontado dispositivo: "§ 1º Na hipótese de que trata o caput deste artigo: I - o oficial: a) qualificará o título pelos elementos, pelas cláusulas e pelas condições constantes do extrato eletrônico". 

Dois pontos ainda e logo parecem convocar a atenção. 

Primeiro, o de que saber quais serão os documentos recepcionáveis no registro mediante extrato demandará ainda regulamentação que a mesma Lei 14.382 atribuiu à Corregedoria Nacional de Justiça (inc. VIII do caput do art. 7º). 

Segundo, o de que o texto da lei se vale de uma fórmula verbal para superar a realidade de que já não haveria, propriamente, qualificação dos títulos originais ao qualificarem-se extratos deles; a letra da lei fala em qualificação do títulos pelos elementos, etc., dos extratos eletrônicos; mas o fato é que o título objeto da qualificação não será o original, senão que um seu resumo (este será o título realmente qualificado). 

Estamos agora a assistir o surgimento de um novo direito registral. Se isto, ao fim, resultará num bem, o tempo o dirá.

1.034. Prosseguindo, tratemos agora da venda alternativa.

A compra e venda alternativa é uma das espécies da obrigação alternativa, caracterizada esta por abranger mais de uma prestação possível, cabendo ao devedor, todavia, satisfazer apenas uma das diversas prestações cogitáveis. Assim, a obrigação alternativa compreende mais de uma prestação devida, embora o devedor satisfação o contrato mediante uma só das prestações ajustadas. 

Abra-se aqui um parêntese a título de mera ilustração: é que exatamente quanto a este resultado de, por meio do cumprimento de uma prestação, satisfazer-se o contrato, a doutrina designa de «princípio da concentração»: concentra-se toda a obrigação na prestação escolhida (assim, Baudry-Lacantinerie e Saleilles); este mesmo termo, princípio da concentração, foi usado por alguns juristas brasileiros para referir um suposto fundamento póstero de nosso registro imobiliário.

Mas continuemos: a obrigação alternativa já se previa, entre nós, no Código civil de 1916, e, segundo alguns autores, já se poderia extrair de preceitos das antigas Ordenações (assim, Carlos de Carvalho, apud Clóvis Beviláqua, comentário ao art. 884). É instituto largamente admitido em ordenamentos estrangeiros, e já se conhecera no direito romano.

O mesmo Beviláqua, depois de classificar as obrigações em compostas (múltiplas em seu objeto) e simples, disse que as primeiras, as compostas, podem ser múltiplas por prestações cumulativas ou múltiplas por prestações alternativas; a obrigação composta por prestações alternativas dá-se, prosseguiu Clóvis Beviláqua, "quando há mais de uma prestação a cumprir, e o devedor se exonera, satisfazendo uma delas".

O Código civil brasileiro de 2002 também admitiu a possibilidade da obrigação alternativa, de que trata nos arts. 252 a 256, lendo-se no primeiro destes dispositivos:

"Nas obrigações alternativas, a escolha cabe ao devedor, se outra coisa não se estipulou.

  • 1º Não pode o devedor obrigar o credor a receber parte em uma prestação e parte em outra.
  • 2º Quando a obrigação for de prestações periódicas, a faculdade de opção poderá ser exercida em cada período.
  • 3º No caso de pluralidade de optantes, não havendo acordo unânime entre eles, decidirá o juiz, findo o prazo por este assinado para a deliberação.
  • 4º Se o título deferir a opção a terceiro, e este não quiser, ou não puder exercê-la, caberá ao juiz a escolha se não houver acordo entre as partes."

Dentre as espécies de obrigação alternativa, tal já se disse acima, encontra-se a venda alternativa, de que disse Serpa Lopes: "Dá-se a venda alternativa quando a decisão de qual das duas coisas deva constituir o objeto da prestação depende da vontade do vendedor ou comprador (…)" (Tratado dos registos públicos, item 549; ressalte-se que, na sequência, Serpa Lopes ensina que a escolha da prestação alternativa "cabe ao vendedor, se outra coisa não estipular o contrato"). 

A questão aqui mais interessante está em saber o que registrar. Depois de referir a divergência doutrinária −com alguns entendendo possível o registro do título com independência da escolha da prestação (Demolombe, Mourlon, Colmet de Santerre); outros, não admitindo esse registro (Laurent, Borsari e Pacifici-Mazzoni); outro ainda distinguindo entre a hipótese de a escolha ser do vendedor ou do comprador (Marcadé)−, Serpa Lopes ampara-se na doutrina de Giorgi e Coviello, e entre nós, na de Lisipo Garcia, para sustentar que é só com a escolha que o negócio se concretiza; ou seja, com essa escolha, a obrigação passa a ter objeto único, retroagindo essa concentração ao tempo da formação do negócio.

Assim, prossegue Serpa Lopes, é só com a escolha da prestação que a compra e venda alternativa adquire fundamento legal para o registro relativo ao imóvel que então se determina.

Outra questão, entretanto, desfia o mesmo Serpa Lopes, qual a de saber qual título deva levar-se a registro. Ora, o que se tem, de início, é uma escritura de compra e venda alternativa; segue-se a escolha −que deverá ser, nesta hipótese, textualizada em documento separado. Coviello opina que o título translativo é o negócio, não o da escolha, sem embargo de que essa escolha deva constar de documento, disse Serpa Lopes, "revestido de todas as formalidades legais, acompanhando a escritura".

Desta maneira −e a solução parece de todo razoável−, apenas deve registrar-se a compra e venda alternativa após a escolha correspondente. 

Persistirá, contudo, uma discussão: a escolha deve ser instrumentada por meio de escritura pública? Serpa Lopes não a entende exigível. De toda a sorte, porém, o registrador deve qualificar o documento da escolha e fazer a menção correspondente.