(da série Registros sobre Registros, n. 307)
Des. Ricardo Dip
1.029. Na sequência de nosso capítulo sobre o registro da compra e venda −objeto do item 29 do inciso I do art. 167 da Lei brasileira 6.015, de 1973−, tratemos agora do tema da compra e venda de imóvel em condomínio, ou seja, de uma alienação de coisa de propriedade comum. O que importa aqui considerar é a hipótese de o negócio dizer respeito a quota parte abstrata da coisa condominial (parcela que corresponda ao domínio de um dos consortes) ou a uma parte determinada da coisa comum. Tanto se aponte o direito de preferência aquisitiva dessas partes −abstrata ou concreta− pelo condômino não alienante, avista-se logo a proximidade dessa hipótese com a da alienação de coisa alheia; com efeito, não se impede o registro da aquisição à míngua de prévia ciência dos condôminos não vendedores, ainda que essa aquisição esteja sujeita a eventual atuação resolutória.
A matéria vem principalmente versada, em nosso atual ordenamento jurídico positivo, no art. 504 do Código civil de 2002, dispositivo que perseverou na linha adotada pelo Código civil brasileiro anterior (art. 1.139).
Preceitua esse art. 504 que não possa um condômino em coisa indivisível vender sua fração dominial a estranhos, se outro condômino a quiser adquirir, "tanto por tanto" (é dizer, com as mesmas condições, especialmente a de preço).
Remete-se o apontado dispositivo a que o objeto da compra e venda seja "coisa indivisível". Há dois modos de entender-se a "coisa indivisível". O primeiro, o modo de uma indivisibilidade juridicamente objetiva, tal, por exemplo, o de um imóvel cuja dimensão atual não possa reduzir-se (pense-se na categoria da fração mínima de parcelamento de imóvel rural). O outro modo é do imóvel divisível em estado de indivisão.
De maneira geral, pode dizer-se que coisa indivisível é a que não se pode fracionar sem que, com isto, se altere sua substância, ou diminua-se consideravelmente o valor, ou ainda prejudique-se o uso a que se destine (cf. art. 87 do Cód.civ.). A essas espécies de coisa indivisível agreguem-se as que se digam indivisíveis por força de lei ou da vontade dos pactantes (art. 88).
Conhecida é a crítica que Clóvis Beviláqua desferira contra a inclusão, pelo Senado, do adjetivo "indivisível" no texto proposto pela Comissão do Governo para o art. 1.139 do Código civil de 1916; entendia Clóvis que se a alienação é de parte ideal, nenhum sentido haveria em exigir-se que a coisa fosse indivisível, tanto mais que, em estado de comunhão, seja a coisa divisível ou indivisível, estará sempre indivisa.
Prosseguia o autor: "(…) dando o Código direito de preferência ao condômino quando a coisa é indivisível, segue-se que não há esse direito, quando a coisa for divisível: inclusio unius exclusio alterius. Mas os inconvenientes, que resultam de entrar um estranho na comunhão, são os mesmos, seja coisa divisível ou não" (Código civil dos Estados Unidos do Brasil, observação n. 1 ao art. 1.139). A jurisprudência pretoriana dissente sobre a aplicação da norma (do antigo art. 1.139 do Código de 1916 e de seu símile art. 504 do Código de 2002) aos casos de alienação relativa a coisa divisível.
Continua o caput do art. 504 do Código civil de 2002: "O condômino, a quem não se der conhecimento da venda, poderá, depositando o preço, haver para si a parte vendida a estranhos, se o requerer no prazo de cento e oitenta dias, sob pena de decadência". Esta norma diz respeito à falta de prévia cientificação da venda a condômino, e o prazo correspondente é de natureza decadencial, vale dizer, prazo extintivo, cujo trânsito não se interrompe.
A cientificação do condômino pode exercitar-se não só por instrumento formal de notificação, seja judicial, seja extrajudicial, mas também por todo meio que confira ciência inequívoca do negócio (incluindo-se seus termos). Só a partir dessa cientificação inequívoca tem-se a actio nata, é dizer, a possibilidade de atuação do condômino preterido, sendo este o marco a quo da fluência da caducidade prevista no art. 504 do Código. Entre os meios, contudo, de ciência inequívoca está o do registro imobiliário do título aquisitivo. Neste sentido, há julgado do STJ, no REsp 1.628.478 (3-11-2020), com que se alinha à doutrina de Mário de Assis Moura, a que se remetera Serpa Lopes: a da "notoriedade da transcrição", iniciando-se, com o registro da compra e venda, o prazo decadencial para o exercício do direito de preempção.
Sublinhe-se que, espancando antiga discussão a que aludira o mesmo Serpa Lopes (cf. item 527 do Tratado de registos públicos), o Código civil de 2002 −solidado com o art. 1.580 do Código de 1916− confirmou a norma de a herança considerar-se um todo unitário, nada importando a variedade numérica dos herdeiros (caput do art. 1.791), prescrevendo em acréscimo: "Até a partilha, o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será indivisível, e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio" (par. único do art. 1.791).
Assim, em resumo, sempre que um condômino almeje alienar fração ideal de bem imóvel indivisível (ou mesmo divisível, a adotar-se a posição de Clóvis Beviláqua) haverá de respeitar a preferência aquisitiva própria dos demais condôminos.
Atenda-se ainda, agora em vista da coisa objetivamente indivisível, ao que dispõe o art. 1.322 do Código civil de 2002: "Quando a coisa for indivisível, e os consortes não quiserem adjudicá-la a um só, indenizando os outros, será vendida e repartido o apurado, preferindo-se, na venda, em condições iguais de oferta, o condômino ao estranho, e entre os condôminos aquele que tiver na coisa benfeitorias mais valiosas, e, não as havendo, o de quinhão maior". Essa previsão de direito material, quando não haja acordo dos condôminos em celebrar negócio de maneira autônoma, efetua-se por meio processual, a da demanda de divisão, objeto dos arts. 588 et sqq. de nosso Código de processo civil.
Por derradeiro, tenha-se em linha de conta que o disposto nos arts. 504 e 1.322 do Código civil brasileiro não se aplica à alienação de unidade autônoma em condomínio horizontal.
A coexistência, neste modo de condomínio especial, de uma compropriedade (p.ex., relativa às partes de uso comum) com propriedades individuais leva a que as unidades autônomas não se encontrem submetidas ao regime do mencionado art. 504 (ou do art. 1.322), não tendo os condôminos direito de preferência para a aquisição das unidades autônomas, ressalvada somente a hipótese de que determinada unidade edilícia se tenha subordinado à compropriedade comum.
Quanto à alienação de coisa objetivamente indivisível, cabe apenas acrescentar a alienação de parte ideal, ainda que se exija o consenso dos condôminos (cf. art. 1.314 do Cód.civ.).