(da série Registros sobre Registros, n. 350)
Des. Ricardo Dip
1.101. Dando seguimento às explanações no capítulo do registro da desapropriação imobiliária, continuaremos a trilha da breve referência ao processo judicial em que se formam os títulos exigíveis para esse registro.
Vimos já esse processo até o momento em que proferida a sentença em primeira instância.
Dispõe o art. 28 do Decreto-lei 3.365, de 1941: "Da sentença que fixar o preço da indenização caberá apelação com efeito simplesmente devolutivo, quando interposta pelo expropriado, e com ambos os efeitos, quando o for pelo expropriante".
Que é efeito recursal devolutivo? Trata-se de propiciar a um diverso juízo −é dizer, um juízo posterior (fala-se também em juízo superior, no sentido de que é o juízo que terá prevalência no caso: tanto se confirmar, quanto se reformar, no todo ou em parte, a sentença de primeira instância, a decisão do juízo posterior ou superior substitui-a).
Quer da sentença recorra o expropriado, quer o faça o expropriante, a apelação terá efeito devolutivo, ou seja, não se decidirá pelo próprio juízo sentenciante. Em geral, "nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide, salvo: I - se, tratando-se de relação jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito, caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença; II - nos demais casos prescritos em lei" (art. 505 do Código de processo civil brasileiro). E é mesmo "vedado à parte discutir no curso do processo as questões já decididas a cujo respeito se operou a preclusão" (art. 507). Então, em princípio, os recursos dirigidos contra a sentença no processo de expropriação devem decidir-se por um diverso e posterior (ou superior) juízo.
Saliente-se, porém, que, além da hipótese dos embargos de declaração (arts. 1.022 et sqq. do Cód.pr.civ.), outra ainda há em que, diante de apelação, o juízo de primeiro grau poderá ele próprio reapreciar e redecidir um caso: trata-se da sentença que julgar o processo sem resolução de mérito; dispõe o § 7º do art. 485 do Código processual civil brasileiro em vigor: "Interposta a apelação em qualquer dos casos de que tratam os incisos deste artigo, o juiz terá 5 (cinco) dias para retratar-se". No mesmo sentido, confira-se o art. 34 da Lei 6.830, de 22 de setembro de 1980 (a Lei da execução fiscal).
Outrora havia as hipóteses do art. 4º da já revogada Lei 6.825, de 22-9-1980, e do art. 839 do Código de processo civil de 1939, que se aplicava à sentença de desapropriação (cf. § 2º do art. 28 do Decreto-lei 3.365) e enunciava: "Das sentenças de primeira instância proferidas em ações de valor igual ou inferior a duas vezes o salário mínimo vigente nas capitais respectivas dos Territórios e Estados, só se admitirão embargos de nulidade ou infringentes do julgado e embargos de declaração"; esses recursos eram dirigidos à apreciação e decisão do juiz prolator da sentença: "Os embargos de nulidade ou infringentes do julgado, instruídos, ou não, com documentos novos, serão deduzidos, nos cinco (5) dias seguintes à data da sentença, perante o mesmo juízo, em petição fundamentada".
Que é efeito recursal suspensivo? Já agora se trata de inibir, com o recurso devolvido à instância posterior, que se execute imediatamente a sentença. Vale dizer, a sentença não produzirá prontamente seus efeitos, porque está condicionada ao julgamento do recurso.
Note-se que o efeito recursal suspensivo, no processo de desapropriação, só emerge em relação ao recurso do expropriante, não quanto ao do expropriado.
Pode o expropriado, entretanto, pleitear, em caráter excepcional, a concessão de efeito suspensivo a apelação por ele interposta?
Parece que isso não se admite. Há uma regra no Código de processo civil que dispõe acerca desse pedido incidental de efeito suspensivo (§ 3º do art. 1.012), mas sua admissão está literalmente restrita a hipóteses arroladas na própria regra. Diz o § 4º desse art. 1.012: "Nas hipóteses do § 1º [do mesmo art. 1.012], a eficácia da sentença poderá ser suspensa pelo relator se o apelante demonstrar a probabilidade de provimento do recurso ou se, sendo relevante a fundamentação, houver risco de dano grave ou de difícil reparação". E o que se alista no referido § 1º? São estas suas hipóteses: apelações de sentença que (i) homologa divisão ou demarcação de terras; (ii) condena a pagar alimentos; (iii)extingue sem resolução do mérito ou julga improcedentes os embargos do executado; (iv) julga procedente o pedido de instituição de arbitragem; (v) confirma, concede ou revoga tutela provisória; (vi) decreta a interdição.
Ora bem, se a regra é o caráter apenas suspensivo da apelação (caput do art. 1.012 do Cód.pr.civ.), as hipóteses de sua exceção devem ser consideradas restritivamente. Além disso, insistamos em que, conforme dispõe o Decreto-lei 3.365, suas disposições "aplicam-se aos processos de desapropriação em curso, não se permitindo depois de sua vigência outros termos e atos além dos por ela admitidos, nem o seu processamento por forma diversa da que por ela é regulada" (art. 41), apenas admitida a invocação subsidiária do Código de processo civil (art. 42).
Uma vez recebida a apelação no efeito somente devolutivo −ou seja, apelação interposta pelo expropriado−, a sentença de primeiro grau poderá executar-se de maneira provisória. Lê-se, a propósito, no art. 29 do Decreto-lei 3.365: "Efetuado o pagamento ou a consignação, expedir-se-á, em favor do expropriante, mandado de imissão de posse, valendo a sentença como título hábil para a transcrição no registro de imóveis". A execução é provisória mas é já definitiva a imissão na posse, certo que a imissão provisória é a do art. 15 do mesmo Decreto-lei: "Se o expropriante alegar urgência e depositar quantia arbitrada de conformidade com o art. 685 do Código de Processo Civil, o juiz mandará imiti-lo provisoriamente na posse dos bens".
Assinale-se que, interposto recurso de apelação pelo expropriante, com seu efeito suspensivo, não cabe expedir mandado de imissão definitiva, nem o título para o registro da desapropriação no ofício imobiliário competente.