(da série Registros sobre Registros, n. 347)
Des. Ricardo Dip
1.097. Dando sequência ao tema sobre o registro da expropriação de imóveis, ainda aqui cuidando do processo judicial de desapropriação, cujo desfecho desaguará, em parte, no ofício imobiliário, examinemos agora, sempre com a brevidade costumeira, o que dispõe o art. 20 do Decreto-lei 3.365, de 1941.
Lê-se neste apontado dispositivo: "A contestação só poderá versar sobre vício do processo judicial ou impugnação do preço; qualquer outra questão deverá ser decidida por ação direta".
É da tradição do direito brasileiro limitar o que possa alegar-se na via de defesa do processo judicial de expropriação. Assim é que, já no princípio do século XX, com a edição de um regulamento para a consolidação e modificação dos processos sobre as desapropriações por necessidade ou utilidade pública (anexo ao Decreto 4.956, de 9-9-1903), lia-se em seu art. 15: "A forma judicial da desapropriação não tem outro fim senão regular e estatuir sobre as indenizações e prévio pagamento, ou depósito, da quantia ou quantias fixadas para o efeito da imissão da posse em favor do desapropriante, ou empresário das obras". Com isto, já se anunciava a limitação da defesa, e, adiante, a segunda parte do art. 29 do mesmo Decreto 4.956 enunciava: "A apelação terá o só efeito devolutivo, e apenas poderá ser provida para anular-se o processo por falta de formalidades essenciais". Esse decreto foi tacitamente revogado pelo advento do Decreto-lei 3.365/1941; e isto foi toda uma sorte, porque, se dependesse de uma expressa revogação, que se deu com o Decreto 11, de 18 de janeiro de 1991, teríamos agora, talvez, uma grave dúvida sobre a eficácia repristinatória do Regulamento de 1903; é que esse Decreto 11 foi revogado pelo Decreto 761 (de 19-2-1993), que, adiante, revogou-se pelo Decreto 1.796, de 24 de janeiro de 1996; este revogou-se pelo Decreto 2.802 (de 13-10-1998), que também se revogou já (Decreto 3.382, de 14-3-2000); mas este último foi revogado pelo Decreto 3.698, de 21 dezembro de 2000, revogado pelo Decreto 4.053 (de 13-12-2001), revogado pelo Decreto 4.865, de 29 de abril de 2003, revogado pelo Decreto 4.720, de 5 de junho de 2003, revogado pelo Decreto 4.991 (de 18-2-2004), revogado pelo Decreto 5.535, de 13 de setembro de 2005, revogado pelo Decreto 5.834 (de 6-7-2006), revogado pelo Decreto 6.061 (de 15-3-2007), revogado pelo Decreto 8.668, de 11 de fevereiro de 2016, revogado pelo Decreto 9.150 (de 4-9-2017), revogado pelo Decreto 9.360, de 7 de maio de 2018, derrogado (salvou-se um artigo, o 4º) pelo Decreto 9.962 (de 1º-1-2019), revogado pelo Decreto 11.103, de 24 de junho de 2022, que, enfim, foi revogado pelo Decreto 11.348, de 1º de janeiro de 2023. (Pronto: agora temos à mão um fulgurante exemplo de hiperinflação e instabilidade legislativas).
Se, contudo, já era manifesta no Regulamento de 1903 a limitação do que poderia ser objeto da contestação do expropriando, ainda mais clara e, assim o disse Seabra Fagundes, dotada de "louvável precisão técnica", o Decreto-lei 3.365 impôs expressamente os limites dentro nos quais poderia contestar-se a demanda de desapropriação; a esfera defensiva está assim fronteirizada pela arguição de nulidades processuais e pela discussão do preço −isto é, do valor indenizatório pela perda da propriedade.
Os vícios processuais −ou melhor, as questões relativas a nulidades de forma no processo− dão conteúdo à defesa indireta processual ou defesa ritual, propiciando-se a suscitação −em caráter preliminar (caput do art. 337 do Código de processo civil: "Incumbe ao réu, antes de discutir o mérito, alegar")− de vários possíveis problemas formais, a saber: (i) inexistência ou nulidade da citação; (ii) incompetência absoluta e relativa; (iii) incorreção do valor da causa; (iv) inépcia da petição inicial; (v) perempção; (vi) litispendência; (vii) coisa julgada; (viii) conexão; (ix) incapacidade da parte, defeito de representação ou falta de autorização; (x) convenção de arbitragem; (xi) ausência de legitimidade ou de interesse processual; (xii) falta de caução ou de outra prestação que a lei exige como preliminar; (xiii) indevida concessão do benefício de gratuidade de justiça (cf. o referido art. 337 do Cód.pr.civ.).
Quanto à inexistência ou nulidade da citação, lembremo-nos de que o direito de defesa e de contraditório é objeto de previsão constitucional (item LV do art. 5º do Código político brasileiro de 1988) −além de, antes mesmo desta garantia inscrita na Constituição, ser exigência da lei natural−, de modo que, para a validade do processo judicial de desapropriação, "é indispensável a citação do réu (…) ressalvadas as hipóteses de indeferimento da petição inicial ou de improcedência liminar do pedido" (caput do art. 239 do Cód.pr.civ.). Todavia, "o comparecimento espontâneo do réu (…) supre a falta ou a nulidade da citação, fluindo a partir desta data o prazo para apresentação de contestação (…)" (§ 1º do art. 239).
Pode o registrador qualificar negativamente um título judicial quando dele puder concluir a falta da citação?
Calha que, no tocante com a nulidade de uma citação −matéria dependente de um juízo jurídico−, não possa o tema ser objeto da qualificação registral. É mais controversa a questão da falta da citação, porque isto é matéria de fato. Parece-me (trata-se de uma simples opinião, nota bene) que, tanto não haja expressa apreciação e decisão judiciais acerca dessa ausência da citação, possa o registrador apontar a deficiência e qualificar negativamente o título judicial, maxime por se tratar de tema que possui amparo constitucional.
A questão da competência vem indicada no art. 64 do Código de processo civil de 2015: "A incompetência, absoluta ou relativa, será alegada como questão preliminar de contestação" (art. 64). Na sequência, lê-se no mesmo Código: "Prorrogar-se-á a competência relativa se o réu não alegar a incompetência em preliminar de contestação" (caput do art. 65), e, no § 1º desse mesmo art. 65: "A incompetência absoluta pode ser alegada em qualquer tempo e grau de jurisdição e deve ser declarada de ofício".
A incompetência relativa −exatamente porque pode prorrogar-se− não é matéria objeto da qualificação registral. Quanto à incompetência absoluta, distingue-se: se foi objeto de decisão judicial específica, não a pode considerar o oficial do registro. Se, todavia, a questão não se suscitou pela defesa, nem se apreciou e decidiu como objeção, é da doutrina que deva apontá-la o registrador, emitindo qualificação negativa e, pois, devolvendo o título. Ao interessado abre-se a via judicial-administrativa da dúvida, ou mesmo o regresso à esfera jurisdicional contenciosa, ensejando o exame da questão pelo juízo da causa.
Prosseguiremos.