Registro de desapropriação (décima-terceira parte)

(da série Registros sobre Registros, n. 345)

                                                            Des. Ricardo Dip

 

1.094.           Prosseguindo no capítulo relativo ao registro da desapropriação imobiliária, tratemos agora, ainda que por breve trecho, do processo judicial da expropriação.

As regras desse processo estão previstas, de maneira específica, nos arts. 11 e seguintes do Decreto-lei 3.365, de 1941. A especificidade dessa regulação está incisivamente assinalada no art. 41 do mesmo Decreto-lei 3.365: "As disposições desta lei aplicam-se aos processos de desapropriação em curso, não se permitindo depois de sua vigência outros termos e atos além dos por ela admitidos, nem o seu processamento por forma diversa da que por ela é regulada", e pode mesmo destacar-se seu caráter de regulativa especial em seu art. 39: "A ação de desapropriação pode ser proposta durante as férias forenses, e não se interrompe pela superveniência destas". Todavia, essa especialização regulamentar não impede o recurso às regras gerais do Código de processo civil, como se lê no art. 42 da Lei da desapropriação: "No que esta lei for omissa aplica-se o Código de Processo Civil".

O art. 11 do Decreto-lei 3.365 enuncia a regra geral de ser competente para o ajuizamento da demanda de expropriação o foro da situação dos bens. Abre-se, no mesmo dispositivo, previsão excepcional que apenas diz respeito à União: "A ação, quando a União for autora, será proposta no Distrito Federal ou no foro da Capital do Estado onde for domiciliado o réu, perante o juízo privativo, se houver; sendo outro o autor, no foro da situação dos bens".

Da leitura do art. 12 da Lei geral da desapropriação resultava, originariamente, a compreensão de que não poderiam os juízes substitutos os juízes de investidura temporária −por isto que não garantidos por vitaliciedade− apreciar e decidir os processos de expropriação. Lê-se, com efeito, nesse art. 12: "Somente os juízes que tiverem garantia de vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos poderão conhecer dos processos de desapropriação". Deu-se, entretanto, que a Lei orgânica da magistratura nacional (Loman) −Lei complementar 35, de 14 de março de 1979− previu no § 2º de seu art. 22: "Os Juízes a que se refere o inciso Il deste artigo [entre os quais, estão referidos os juízes substitutos], mesmo que não hajam adquirido a vitaliciedade, poderão praticar todos os atos reservados por lei aos Juízes vitalícios". Assim, quanto aos juízes substitutos, não se aplica a regra do art. 12 do Decreto-lei 3.365, embora ela subsista quanto aos juízes togados de investidura limitada no tempo (cf., a propósito, a lição de José Carlos Moraes Salles, A desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência, ed. Revista dos Tribunais, 5.ed., São Paulo, 2006, p. 281-282). Acerca destes juízes de investidura temporária, veja-se o que dispõe o art. 21 do Ato das disposições transitórias da Constituição nacional de 1988: "Os juízes togados de investidura limitada no tempo, admitidos mediante concurso público de provas e títulos e que estejam em exercício na data da promulgação da Constituição, adquirem estabilidade, observado o estágio probatório, e passam a compor quadro em extinção, mantidas as competências, prerrogativas e restrições da legislação a que se achavam submetidos, salvo as inerentes à transitoriedade da investidura".

Em continuidade, o art. 13 do Decreto-lei 3.365 trata da petição inicial da demanda de desapropriação. Esse dispositivo remete-se à regulativa geral do Código de processo civil. a que acrescenta outros requisitos, quais sejam: (i) "a oferta do preço", (ii) a exibição de "um exemplar do contrato, ou do jornal oficial que houver publicado o decreto de desapropriação, ou cópia autenticada" deles, e (iii) "a planta ou descrição dos bens e suas confrontações".  Vem à feição observar que, disciplina a citação do requerido, na Lei geral de desapropriação, em seus arts. 16 a 19, essa mesma citação, cuja falta de requerimento levada, ao tempo do Código processual civil de 1973, à extinção do processo, já não precisa ser expressamente pleiteada pelo expropriante, porque o vigente Código de processo civil não alista, entre os requisitos ordinários da petição inicial, o pedido de citação do demandado (cf. art. 319), modificando-se, pois, o que era previsto no inciso VII do art. 282 do Código de 1973 (averbe-se, entretanto, a exceção prevista no art. 126 do Código de 2015, referente apenas à denunciação à lide: "A citação do denunciado será requerida na petição inicial, se o denunciante for autor, ou na contestação, se o denunciante for réu, devendo ser realizada na forma e nos prazos previstos no art. 131". São estes os requisitos gerais da petição inicial, indicados no aludido art. 319 do Código em vigor −e aos quais requisitos, na demanda expropriatória, devem agregar-se os específicos indicados no art. 13 do Decreto-lei 3.365: indicações (i) do juízo a que a ação é dirigida; (ii) dos "nomes, os prenomes, o estado civil, a existência de união estável, a profissão, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, o endereço eletrônico, o domicílio e a residência do autor e do réu"; (iii) do  fato e dos fundamentos jurídicos do pedido; (iv) do "pedido com as suas especificações"; (v) do valor da causa; (vi) das "provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados"; (vii) da "opção do autor pela realização ou não de audiência de conciliação ou de mediação".

O parágrafo único do art. 13 do Decreto-lei 3.365 assim enuncia: "Sendo o valor da causa igual ou inferior a dois contos de réis (2:000$0), dispensam-se os autos suplementares". Ao tempo do Código do processo de 1973, previa-se em seu art. 159, a formação de autos suplementares, e suas hipóteses −de execução provisória de sentença e de prossecução do processo ante o fato da desaparição dos autos originais− são as mesmas que se apontam no Código vigente (cf. § 4º do art. 356 e 712). Diversamente, contudo, o Código de 2015 já não repetiu a previsão do caput do art. 159 da codificação anterior ("Salvo no Distrito Federal e nas Capitais dos Estados, todas as petições e documentos que instruírem o processo, não constantes de registro público, serão sempre acompanhados de cópia, datada e assinada por quem os oferecer"), de maneira que parece não haver âmbito para a formação dos autos suplementares, na desapropriação, salvo para as duas hipóteses estritas acima referidas.

O art. 14 do Decreto-lei 3.365 dispõe algo sobre a prova pertinente na ação expropriatória: "Ao despachar a inicial, o juiz designará um perito de sua livre escolha, sempre que possível, técnico, para proceder à avaliação dos bens. Parágrafo único.  O autor e o réu poderão indicar assistente técnico do perito". Com efeito, da leitura do art. 27 do mesmo Decreto-lei extrai-se a relevância da prova pericial na demanda de desapropriação: "O juiz indicará na sentença os fatos que motivaram o seu convencimento e deverá atender, especialmente, à estimação dos bens para efeitos fiscais; ao preço de aquisição e interesse que deles aufere o proprietário; à sua situação, estado de conservação e segurança; ao valor venal dos da mesma espécie, nos últimos cinco anos, e à valorização ou depreciação de área remanescente, pertencente ao réu". E, de caminho, não percamos de vista o que indica a regra do art. 23 do mesmo diploma legal: "Findo o prazo para a contestação e não havendo concordância expressa quanto ao preço, o perito apresentará o laudo em cartório até cinco dias, pelo menos, antes da audiência de instrução e julgamento".

Voltaremos ao tema.