(da série Registros sobre Registros, n. 273)
Des. Ricardo Dip
954. No âmbito do direito das sucessões hereditárias, designa-se arrolamento uma das formas do inventário, uma forma processual simplificada, que pode nomear-se, como o fez Costa Carvalho, “inventário não solene e partilha de acervos pequenos”.
Diz Antônio Geraldo da Cunha que o vernáculo «rol», a que se conexiona a palavra «arrolamento», já tem sua raiz no século XIII, com o vocábulo rool de que provém o francês rôle, derivado do latim rotulus, rotuli, significando um rolo de papiro ou pergaminho em que se lançavam escritos com o objetivo de um registro permanente. No plano semântico, «arrolamento» é lista, rol; «arrolar», fazer uma lista, alistar.
A terminologia jurídica vale-se do termo «arrolamento» e de seus correlatos de maneira ampla: p.ex., no vigente Código brasileiro de processo civil, lê-se no art. 163: “Não pode ser intérprete ou tradutor quem: (…) II - for arrolado como testemunha ou atuar como perito no processo”; no § 3º do art. 357 e no inciso III do art. 361, consta referência a testemunhas arroladas (cf. ainda arts. 455, caput e inc. IV do § 4º, e 767); o juiz da causa, diz o mesmo Código, pode ser arrolado na condição de testemunha (caput do art. 452). O mesmo Código de processo civil, tratando das tutelas de urgência de natureza cautelar, indica por uma de suas espécies o arrolamento de bens (arts. 301 e 381, § 1º); na esfera do direito tributário, a Lei brasileira 9.532/1997 (de 10-12) prevê a figura do arrolamento fiscal (arts. 64 e 64-A).
- 955. Atenda-se a que o arrolamento a que se refere o item 25 do inciso I do art. 167 da Lei 6.015 é o próprio do direito das sucessões hereditárias.
Como já ficou visto, o processo de sucessão mortis causa não é exclusivo da esfera judicial, prevendo-se no § 1º do art. 610 do Código de processo civil que, sendo capazes todos os interessados e estando concordes nesta solução, “o inventário e a partilha poderão ser feitos por escritura pública, a qual constituirá documento hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras”. Acrescente-se que o § 2º do mesmo art. 610 do Código processual condiciona a elaboração da escritura notarial a que todos esses interessados estejam assistidos por advogado ou por defensor público.
Tem-se, pois, nos termos da lei processual vigente que o inventário −o que se tem por um gênero inclusivo de sua espécie não solene que é o arrolamento− e a partilha posterior dos bens inventariados poderão ser feitos mediante escritura pública. Significa dizer que a desjudiciarização dos processos de sucessão hereditária é sempre dependente da vontade dos interessados, de maneira que a escolha da via judiciária ou notarial será em muito ditada pela economia de esforços, de tempo e de gastos.
O Código de processo civil brasileiro em vigor cuida do arrolamento de bens hereditários em seus arts. 659 a 667, mas a cujas regras convergem subsidiariamente as disposições dos arts. 642 a 646 (relativas ao pagamento de dívidas) e 647 a 658 (referentes à partilha dos bens), além das previsões gerais dos arts. 668 a 672, o que inclui o tema da sobrepartilha.
Dois são os modos desse arrolamento que a lei designa “sumário” (art. 660 do Cód.pr.civ.): o primeiro, de que tratam, especialmente, os arts. 659 a 663 do Código, é o do processo antecedido de partilha de bens. Todos os herdeiros −que devem ser capazes− requererão ao juiz a abertura do processo, com a nomeação de inventariante (pode, talvez, usar-se a palavra «arrolante»), enunciando-se os títulos da sucessão e os bens do espólio, com atribuição de seu valor para os fins divisórios (art. 660). Lê-se no referido art. 659: “A partilha amigável, celebrada entre partes capazes, nos termos da lei, será homologada de plano pelo juiz, com observância dos arts. 660 a 663”. Reitere-se que essa forma de arrolamento exige a concordância de todas as partes −por isso que a partilha se diz amigável−, partes que devem ser capazes. Se não houver mais do que um herdeiro, em vez de homologar a partilha, caberá ao juiz adjudicar a esse herdeiro os bens do de cuius (§ 1º do art. 659). Com o trânsito em julgado da sentença que homologue a partilha ou adjudique os bens da herança, expede-se o formal, na primeira hipótese, e a carta de adjudicação, na segunda, expedindo-se os alvarás que caibam e, só então, segue a intimação do fisco para o lançamento tributário que corresponda (§ 2º do art. 659). Se é certo que, nesse modo de arrolamento, em princípio “não se procederá à avaliação dos bens do espólio” (art. 661), averbem-se dois pontos: primeiro, o de que, não por isso, entretanto, a autoridade fiscal estará obrigada, para fins do lançamento do imposto de transmissão, a aceitar os valores estimados pelos herdeiros (§ 2º do art. 662: “O imposto de transmissão será objeto de lançamento administrativo, conforme dispuser a legislação tributária, não ficando as autoridades fazendárias adstritas aos valores dos bens do espólio atribuídos pelos herdeiros”); segundo, o de que eventual impugnação desfiada pelos credores do espólio quanto aos bens reservados para a satisfação de seus créditos ensejará a avaliação desses bens (par.único do art. 663).
A segunda espécie de arrolamento previsto no atual Código brasileiro de processo civil é o que corresponde à noção de pequeno valor dos bens do espólio, adotando-se por pequeno valor a previsão do art. 664 desse mesmo Código: “Quando o valor dos bens do espólio for igual ou inferior a 1.000 (mil) salários-mínimos, o inventário processar-se-á na forma de arrolamento, cabendo ao inventariante nomeado, independentemente de assinatura de termo de compromisso, apresentar, com suas declarações, a atribuição de valor aos bens do espólio e o plano da partilha”. Para esse segundo modo de arrolamento não se exige concordância prévia com a partilha −diversamente do que ocorre com a primeira espécie de arrolamento−, nem é seu pressuposto que todos os interessados sejam capazes: “O inventário processar-se-á também na forma do art. 664, ainda que haja interessado incapaz, desde que concordem todas as partes e o Ministério Público” (art. 665). Exatamente porque não se reclama seja a partilha acolhida por todos os interessados, prevê a lei possa impugnar-se a avaliação por qualquer das partes ou, se houver interesse de incapaz, pela promotoria pública (§1º do art. 664), cabendo ao juiz, após avaliação e, segundo a letra da lei, em audiência (§ 2º do art. 664), deliberar, à vista do laudo do avaliador, acerca da partilha, “decidindo de plano todas as reclamações e mandando pagar as dívidas não impugnadas” (assim o mesmo § 2º do art. 664).
Outra diferença a considerar entre esses dois modos de arrolamento está em que, no primeiro (arts. 659 et sqq. do Cód.pr.civ.), a sentença homologatória da partilha antecede o lançamento −e, pois, o pagamento− do correspondente imposto de transmissão (§ 2º do art. 659), ao passo em que, de maneira diversa, no arrolamento de bens de pequeno valor, a quitação fiscal precede o julgamento da partilha, segundo dispõe a regra processual: “Provada a quitação dos tributos relativos aos bens do espólio e às suas rendas, o juiz julgará a partilha”.
Num e noutro dos modos de arrolamento, o formal de partilha, ou, quando o caso, a carta de adjudicação, devem integrar-se de cópia ou certidão da sentença que julga a partilha ou adjudica os bens hereditários, sempre com a indicação de seu trânsito em julgado.