(da série Registros sobre Registros, n. 314)
Des. Ricardo Dip
1.038. Em anterior redação, a Lei brasileira 6.015, de 1973, previu o registro stricto sensu da permuta de imóvel. Antes, contudo, indicara que a permuta deveria ser objeto de transcrição (alínea i do inc. II do art. 168, depois renumerado, com alteração, para o item 30 do art. 169 da mesma Lei). Medida provisória, a de n. 1.085/2021 (de 27-12), incluiu, por seu art. 7º, nesse referido item 30, a «promessa de permuta», inclusão que se confirmou com a Lei 14.382, de 27 de junho de 2022.
Vigora, pois, entre nós, a previsão do registro, em sentido estrito, quer da permuta, quer da promessa de permuta de imóvel.
Nosso vernáculo «permuta» provém do substantivo latino permutatio, permutationis, e, parece, ainda antes, derivar do verbo permuto, de que consta o ingresso em nosso idioma já no século XV (cf. Antônio Geraldo da Cunha). Permutatio é a troca de mercadorias, disse Francisco Torrinha; mas, acrescenta, incluía a noção de câmbio de dinheiro (o que mais não corresponde a seu uso jurídico), sentido por igual indicado por Santos Saraiva. Em algum tempo, significava uma grande mudança ou alteração. Aplicou-se, porém, às trocas, câmbios, mudanças em geral (mutatio); estendeu-se à alteração de letras (transmutatio, segundo Quintiliano −cf. António Gomes Ferreira; também Rodrigo Fontinha: "troca de uma letra por outra"); chegou até, na Retórica a Herênio, a corresponder a uma alegoria: "maneira de falar que indica formalmente uma coisa e conceitualmente outra" −a permutatio, pois, como um modo de dar às palavras exprimidas uma acepção diversa da de seu significado habitual. Jacques Attali refere a permuta de pessoas (a permutação de reféns com algumas coisas ou com outras pessoas), apontando-lhe o caráter ritual, que também indicava a busca de segurança para as trocas.
Pelayo De La Rosa Díaz, em autorizada monografia sobre o tema da permuta, divisou-lhe três sentidos: o genérico de mutação, câmbio (assim, Cícero e Plínio usaram o termo); o técnico-jurídico (Virgílio, Horácio, Cúrcio, Plínio, Tito Lívio); e o de operação por meio de letra de câmbio (os mesmos Cícero e Plínio valeram-se do vocábulo com essa acepção).
Entre nós, na linguagem comum, permuta é o mesmo que escambo (que provém do verbo latino cambio, trocar, cambiar), troca ou barganha (que nos veio do francês bargaigneir ou do italiano bargagnare −veja-se Antônio Geraldo da Cunha); na língua portuguesa atual, a barganha pode significar «trapaça», mas também, no Brasil, um «pequeno negócio». Tenha-se em conta que o Código civil brasileiro de 2002, ao versar as várias espécies de contrato, refere o da "troca ou permuta" (designação do capítulo II do título VI de sua parte especial), seguindo o uso apenas da palavra "troca" no art. 533, que, aliás, é o único desse capítulo).
Permuta é, juridicamente, a troca de uma coisa por outra (Carvalho de Mendonça), mas, de modo tradicional, exclui, por especialização conceitual, a troca de dinheiro (o que se diz câmbio) ou por dinheiro (a compra e venda). Já era assim no direito romano; disse Álvaro D'Ors que a permutatio consistia "en el cambio de la propiedad de una cosa, no por un precio en dinero, sino por la propiedad de otra cosa". Essa definição, entretanto, afasta a permuta de coisa por dinheiro, mas não a de dinheiro por dinheiro (câmbio). De toda a sorte, não se exclui, de maneira absoluta, que o dinheiro possa incluir-se no negócio de permuta: assim, p.ex., quando haja necessidade de algum valor em moeda para satisfazer o equilíbrio da troca de coisas não dinerárias. Acrescente-se que os sabinianos e os proculeianos estabeleceram controvérsia acerca da natureza jurídica da permutatio, opinando aqueles que a permuta era apenas uma das espécies de compra e venda, pois desta última não se exigiria, de maneira necessária, que o preço fosse em dinheiro. Prevaleceu, neste assunto, o entendimento da escola proculeiana.
Por sua vez, ainda quanto ao direito romano, Pietro Bonfante, ao conceituar a permutatio, contudo, não apenas lhe aumentou o objeto −admitindo que possa ser "um direito distinto da propriedade"−, mas também a estendeu à «promessa» de transferência da coisa ou do direito: "Entende-se que também a permuta em sentido mais lato é causa genérica de aquisição e conserva na linguagem ordinária o nome de permuta, seja que o câmbio recíproco dos objetos se dê imediatamente por ambas as partes, ou seja que uma delas, ou ambas, assumam somente a obrigação".
Adivinha-se que tenha sido a permuta um dos primeiros contratos adotados pela humanidade; é certo que o primeiro dos contratos entre os homens foi o matrimônio, mas o primeiro, provavelmente, dos contratos patrimoniais, foi a permuta, existente ao tempo em que ainda não se inventara a moeda, cujo surgimento pode datar-se do século IV a.C.
Veja-se, a propósito, o que disse Federico Puig Peña, no Tratado de derecho civil español: "No cabe duda que, si se hiciera un estudio cronológico de los contratos había que tratar primero de la permuta, que en el orden del tiempo es el primero que aparece, respondiendo a la necesidad primaria del hombre de procurarse las cosas necesarias para su existencia". E prossegue o autor: "(…) desde luego siempre anterior a la compraventa, puesto que ésta supone una fase superior de civilización, en donde las gentes han encontrado una medida de orden general (dinero) para facilitar el trueque de las mercancias".
Entre os gregos, a propósito, refere Homero, na Ilíada, a troca de armas ou de vinho por ferro, cobre, bois e até escravos, dando notícia, pois, da antiguidade do instituto da permuta (cf. Pelayo De La Rosa Díaz, que observa, à luz de um texto de Tácito, que, no primeiro século depois de Cristo, a permuta era já considerada um instituto em desuso e arcaico).
A invenção da moeda −que passa a utilizar-se como o instrumento comum dos negócios− dá nascimento a um novo tipo de contrato: a compra e venda. Distinguem-se, então, de um lado, a permuta −troca de coisa por coisa−, e, de outro lado, a compra e venda, troca de coisa por preço (dinheiro). A distinção entre ambos esses negócios, todavia, foi o resultado de um processo "lento y dificultoso" (De La Rosa). Continua esse autor: "La permuta, nacida como hecho, va lentamente convirtiéndose en un instituto jurídico. Quizá lo que contribuye definitivamente a lograrlo sea la necesidad de diferenciarla de la compraventa. Las interrelaciones entre ambos negocios son abundantísimas, su proximidad tal, que durante un largo período de tiempo van apareciendo negocios mixtos, que tienen parte de la naturaleza de los dos institutos".
A despeito, contudo, da distinção entre esses contratos −permuta e compra e venda−, àquele aplicam-se os princípios referentes à compra e venda. É que, como o disse Carvalho de Mendonça, a permuta é uma "dupla venda, na qual as coisas representam reciprocamente as funções de objeto e de preço". Em outras palavras, secundum quid, a coisa permutada (ou trocada) é objeto, e, por outro aspecto, corresponde ao preço da coisa reciprocada. neste sentido, a distinção verdadeiramente entre a permuta e a compra e venda está em que o preço, na compra e venda, nunca é seu objeto. Por isto, pôde dizer o mesmo Carvalho de Mendonça que o preço é o que excepciona a aplicação das normas da compra e venda à permuta.
Nosso vigente Código civil prevê, a propósito, em seu art. 533: "Aplicam-se à troca as disposições referentes à compra e venda, com as seguintes modificações: I - salvo disposição em contrário, cada um dos contratantes pagará por metade as despesas com o instrumento da troca; II - é anulável a troca de valores desiguais entre ascendentes e descendentes, sem consentimento dos outros descendentes e do cônjuge do alienante".
Prosseguiremos.