Sequestro de Bens

     (da série Registros sobre registros n. 194)           

                                              Des. Ricardo Dip

 

 790. Também a medida de sequestro, no processo civil brasileiro vigente, possui caráter cautelar, como se lê na regra, já antes mencionada, do art. 301 do Código processual civil em vigor: “A tutela de urgência de natureza cautelar pode ser efetivada mediante arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem e qualquer outra medida idônea para asseguração do direito” (o itálico não é do original).

 

Por não ter caráter satisfativo, já nisto o sequestro se diferencia da penhora. E, em relação ao arresto, sua principal diferença está em que tem por sujeito coisa determinada –“visa a conservar a própria coisa” (Pontes de Miranda), ao passo em que o arresto apreende coisas indeterminadas, ou seja, volta-se à salvaguarda apenas da utilidade ou quantia certa objeto de execução. Desta maneira, às características de preparação e prevenção que se reconhecem na medida de arresto pode agregar-se a de conservação na medida de sequestro; Humberto Theodoro Júnior apontou nesta linha que, no direito espanhol, denominando-se arresto embargo preventivo, bem se avista a natureza conservadora do sequestro que ali corresponde ao termo administración de las cosas litigiosas.

 

Lê-se, a propósito, numa lição de Lopes da Costa: “Ao contrário do arresto, que, como vimos, visa indiscriminadamente (a)o patrimônio do devedor (qualquer bem serve para a apreensão), o sequestro se dirige, entre vários bens daquele patrimônio, a uma coisa determinada”. Noutra passagem: “O sequestro tem direção determinada: sobre determinada coisa. O arresto se dirige indiscriminadamente contra o patrimônio do devedor”.

 

A invocação de Alfredo Lopes da Costa –um grande jurista, com efeito, que foi desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais–, mas, dizia-se, Lopes da Costa é particularmente lembrado quando se trata de distinguir, de uma parte, o arresto, e, de outra, o sequestro, sobretudo porque, com muita e boa verve, afirmou não ser uma chinesice a distinção entre ambos (cf. p. 64 na segunda edição de seu Medidas preventivas).

 

Neste sentido, vem a calhar referir julgado do Superior Tribunal brasileiro de Justiça, o Recurso especial 1.128.033, que assentou: o “pedido cautelar de sequestro de bens pressupõe a existência de disputa, na ação principal, acerca de sua posse o propriedade”, prosseguindo: “o fato de a demanda principal visar à satisfação de obrigação de crédito impede o deferimento da medida de sequestro, pois não há disputa específica sobre os bens que constituem seu objeto” (Relatora a Min. Nancy Andrighi; julg. em 5-2-2013, ainda ao tempo da vigência do inc. I do art. 822 de nosso Cód.pr.civ. de 1973, que previa o cabimento do sequestro “de bens móveis, semoventes ou imóveis, quando Ihes for disputada a propriedade ou a posse, havendo fundado receio de rixas ou danificações”).

791. O Código processual civil brasileiro de 2015, diversamente do Código anterior (de 1973 –cf. arts. 822 a 825), não trata de modo pontual da medida de sequestro, mencionada embora no conjunto das tutelas de urgência de natureza cautelar arroladas no já referido art. 301; não se lê, naquele Código, em outra passagem, o termo “sequestro”, ainda que se encontrem expressos o vocábulo “sequestrado” (que na lei está no plural: art. 159 –“A guarda e a conservação de bens penhorados, arrestados, sequestrados ou arrecadados serão confiadas a depositário ou a administrador, não dispondo a lei de outro modo”) e, por duas vezes, o verbo “sequestrar”: uma, no parágrafo único do art. 553, onde se prevê o sequestro de bens que estejam sob a guarda de inventariante, tutor, curador, depositário e qualquer outro administrador, quando, após prestação de contas, forem condenados a pagar o saldo encontrado e não o fizerem no prazo legal; outra, no § 1º do art. 641, quando o herdeiro não proceder à conferência dos bens sujeitos à colação.

 

Por falta de especificação de seu processamento, a medida de sequestro observa as mesmas regras inscritas nos arts. 294 a 299, 302 e 305 a 310 do Código de processo civil de 2015, dispositivos já de algum modo, ainda que brevemente, antes aqui examinados, ao tratar-se do processamento da tutela cautelar de arresto.

792. A medida civil de sequestro está referida também em leis extravagantes do Código.

 

Em algumas hipóteses, para inibi-la: o art. 69 do Decreto-lei 167/1967 (de 14-2) veda o sequestro de “bens objeto de penhor ou de hipoteca constituídos pela cédula de crédito rural” quando se referirem a “outras dívidas do emitente ou do terceiro empenhador ou hipotecante”; no mesmo sentido, lê-se na Lei 8.929/1994 (de 22-8), que “os bens vinculados à CPR [cédula de produto rural] não serão penhorados ou sequestrados por outras dívidas do emitente ou do terceiro prestador da garantia real” (art. 18).

 

Já para admitir a medida, tem-se, no Decreto-lei 413/1969 (de 3-1), o item 2º de seu art. 41 que prevê o “sequestro dos bens constitutivos da garantia” (trata-se da cédula de crédito industrial); na Lei 11.101/2005 (de 9-2 –relativa à recuperação judicial, à extrajudicial e à falência do empresário e da sociedade empresária), prevê-se que o juiz poderá, em ação revocatória, “ordenar, como medida preventiva, na forma da lei processual civil, o sequestro dos bens retirados do patrimônio do devedor que estejam em poder de terceiros”.

 

A Lei 6.024/1974 (de 13-3), versando sobre a a intervenção e a liquidação extrajudicial de instituições financeiras, faz referência expressa, no caput de seu art. 45, ao termo sequestro: presente a conclusão, após inquérito, da existência de prejuízos apurados na gestão das instituições financeiras, caberá ao Ministério público, dentro em oito dias, requerer “o sequestro dos bens dos ex-administradores, que não tinham sido atingidos pela indisponibilidade prevista no artigo 36, quantos bastem para a efetivação da responsabilidade”. Da só leitura deste dispositivo parece emergir a caracterização do arresto e não do sequestro, pois não se aponta para a apreensão coisa determinada, coisa litigiosa; isto se confirma com o que dizem o § 2º desse mesmo art. 45 da Lei 6.024 (“feito o arresto”) e seus arts. 47 (“se, decretado o arresto”), 48 (“independentemente do inquérito e do arresto”) e 49: “Passada em julgado sentença que declarar a responsabilidade dos ex-administradores, o arresto e a indisponibilidade de bens se convolarão em penhora, seguindo-se o processo de execução”.

 

Por igual, parece ser à medida de arresto –e não à de sequestro– que se refere o § 4º do art. 14 da Lei 4.717/1965 (de 29-6), lei que trata da ação popular, e em cujo apontado dispositivo se lê: “A parte condenada a restituir bens ou valores ficará sujeita a sequestro e penhora, desde a prolação da sentença condenatória” (com efeito, não se vê tratar-se aqui de apreensão de coisa certa litigiosa, mas de garantir a utilidade da condenação judicial).

793. Façamos agora uma breve incursão quanto à medida de sequestro de bens relativa à esfera do direito criminal.

 

O vigente Código penal brasileiro prevê, em seu art. 91, como efeito genérico da condenação na esfera criminal, a perda, em benefício da União (“ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé”), “do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso” (letra b do inc. II), acrescentando-se nos §§ 1º e 2º desse mesmo art. 91 –dispositivos incluídos com a Lei 12.694/2012 (de 24-7)– que poderá decretar-se “a perda de bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime quando estes não forem encontrados ou quando se localizarem no exterior”, prevendo-se, a seu propósito,

“as medidas assecuratórias previstas na legislação processual”.

 

Nosso Código de processo penal em vigor trata expressamente da medida de sequestro, em capítulo intitulado Medidas assecuratórias (cap. VI do título também VI –Das questões e processos incidentes– do livro I do Código: Do processo em geral). A referência ao termo “sequestro”, neste quadro, está explícita nos arts. 125 (“caberá o sequestro dos bens imóveis, adquiridos pelo indiciado com os proventos da infração, ainda que já tenham sido transferidos a terceiro”, 126 (“para a decretação do sequestro”), 127 (o juiz “poderá ordenar o sequestro”), 128 (“realizado o sequestro, o juiz ordenará a sua inscrição no Registro de Imóveis”), 129 a 132. Havia ainda, na redação originária do mesmo Código de processo penal, menção expressa à medida de sequestro nos arts. 136 a 143, mas estas regras tiveram sua redação alterada, nelas se substituindo o vocábulo sequestro pela palavra arresto (cf. Lei 12.694, de 24-7-2012). A doutrina já antes acenara à circunstância de que o sequestro versado nesse Código compreendia incluso o arresto –por todos, p.ex., Mirabete: “…o Código lhe dá um outro sentido [refere-se ao termo “sequestro”], abrangendo também o arresto…”.

 

Mais recentemente, a Lei 13.964/2019 (de 24-12) –designada de “pacote anticrime” do Min. Sérgio Moro– retomou, no entanto, a referência à medida de sequestro, ao incluir-se no Código de processo penal o art. 133-A, assim enunciado: “O juiz poderá autorizar, constatado o interesse público, a utilização de bem sequestrado, apreendido ou sujeito a qualquer medida assecuratória pelos órgãos de segurança pública previstos no art. 144 da Constituição Federal, do sistema prisional, do sistema socioeducativo, da Força Nacional de Segurança Pública e do Instituto Geral de Perícia, para o desempenho de suas atividades” (a ênfase gráfica não é do original).