Sobre o registro das incorporações, instituições e convenções de condomínio (sqq. -décima-sexta parte)

(da série Registros sobre Registros, n. 251)

                           Des. Ricardo Dip

             

             917. Na sequência da enunciação dos documentos que devem apresentar-se ao ofício imobiliário para o registro da incorporação, a letra l do art. 32 da Lei 4.591, de 1964, indica a “declaração em que se defina a parcela do preço de que trata o inciso II, do art. 39”.

Essa referida declaração diz respeito à hipótese em que tenha o incorporador adquirido o terreno objeto do empreendimento mediante permuta −ou promessa de permuta− com unidades autônomas do edifício a erguer-se.

Com efeito, o inciso II do art. 39 da Lei 4.591, a que se reporta a alínea l do art. 32 da mesma lei prevê a discriminação da “quota-parte da área das unidades a serem entregues em pagamento do terreno que corresponderá a cada uma das unidades, a qual deverá ser expressa em metros quadrados” (essa quota-parte corresponde ao que, no quadro da NBR 12.721 da Associação Brasileira de Normas Técnicas, designa-se com o termo complexo “área sub-rogada”).  O inciso I do mencionado art. 39 dispõe que se indique também o pagamento pecuniário de eventual parcela dessa aquisição.

Essa exigência legal justifica-se, assim o observou Ademar Fioranelli, para evitar conflitos futuros com os condôminos que aderirem ao empreendimento (o.c., p. 579), pois, diz Melhim Chalhub, os adquirentes ficam a saber que “suportarão o encargo de construir as unidades destinadas ao antigo dono do terreno” (o.c., p. 69).

A declaração deverá assinar-se pelo incorporador, pelo construtor e pelo proprietário do terreno, reconhecendo-se suas firmas por tabelião de Notas (Flauzilino dos Santos, o.c., p. 237;  Vitor Kümpel e Carla Modina Ferrari, o.c., p. 2.457).

            918. Prevê a alínea m do art. 32 da Lei 4.591 que, para inscrever-se a incorporação no registro de imóveis, apresente o solicitante a “certidão do instrumento público de mandato, referido no § 1º do artigo 31”.

Trata-se aí da hipótese em que iniciativa e a responsabilidade das incorporações caiba ao incorporador, que somente poderá ser o construtor ou corretor de imóveis,  investido o mesmo incorporador −pelo proprietário de terreno, o promitente comprador e cessionário deste ou ainda o promitente cessionário− de mandato outorgado por instrumento público, no qual haja menção expressa da Lei 4.591 e transcrição do disposto no § 4º de seu art. 35, “para concluir todos os negócios tendentes à alienação das frações ideais de terreno” (§ 2º do art. 31), obrigando-se pessoalmente pelos atos que praticar na qualidade de incorporador.

Em outras e mais resumidas palavras, se o dono do terreno −ou ainda o promitente comprador imóvel ou cessionário ou promitente cessionário do terreno− atribuir a um construtor ou a corretor de imóveis os encargos que correspondam a incorporação, deve o proprietário outorgar, por meio de instrumento público, mandato para que os mandatários possam realizar os negócios relativos ao empreendimento.

Embora a letra m do art. 32 da Lei 4.591 mencione a Lei 4.116/1962 (de 27-8)−lei esta que regulamentava a profissão de corretor de imóveis−, novo diploma legal revogou essa anterior regulamentação (cf. Lei 6.530, de 12-5-1978, art. 26). Essa Lei 6.530 foi regulamentada pelo Decreto 81.871/1978 (de 29-6), que exige (cf. art. 1º), em consonância com a lei (arts. 4º e 17, inc. VI, da Lei 6.530), a inscrição dos corretores no conselho regional competente (Creci), motivo pelo qual entende Flauzilino Araújo dos Santos deva o oficial do registro imobiliário examinar e arquivar, na hipótese prevista na letra m do art. 32 da Lei 4.591, o documento que confirme a regularidade da inscrição corporativa do corretor de imóveis (o.c., p. 239).

Da mesma sorte, quando o mandato em pauta for outorgado pelo proprietário do terreno (ou promitente comprador, etc.), sustenta Flauzilino Araújo dos Santos (p. 239) que o registrador deve exigir documento que indique regular inscrição no conselho profissional correspondente −de engenharia (Lei 5.194, de 24-12-1996) ou de arquitetura (Lei 12.378, de 31-12-2010).

Parece ter bastante razão esse entendimento de Flauzilino dos Santos, quando se verifica da normativa de regência que, além do proprietário do terreno (ou do promitente comprador, etc., com satisfação dos requisitos previstos na alínea a do art. 32 da Lei 4.591), a iniciativa e a responsabilidade pela incorporação imobiliária somente (é o advérbio que se indica no caput desse art. 32) −repete-se: somente poderá ser do construtor e do corretor de imóveis.

Saliente-se que o versado instrumento de mandato há de ser de natureza pública (i.e., instrumento notarial).

            919. Traz a Lei 4.591, na alínea n de seu art. 32, a exigência de apresentar-se ao registro de imóveis, para inscrever-se a incorporação edilícia, a “declaração expressa em que se fixe, se houver, o prazo de carência (art. 34)”.

Esse referido art. 34, tratando de eventual assinação de prazo de carência −é dizer, de desistência− da incorporação, contempla as possíveis dificuldades que interfiram no êxito do incorporador em alienar as unidades autônomas a construir e, assim, obter a bastante sustentação econômica e financeira do empreendimento. Além dessas dificuldades, outras podem surgir, nos âmbitos administrativo e técnico (Fioranelli, p. 580). Daí que se faculte ao incorporador a desistência do empreendimento, permitindo-lhe a denúncia do registro, restituindo-se aos adquirentes o preço deles recebido. Mas essa desistência deve realizar-se dentro de determinado período de tempo, que é exatamente o prazo de carência.

Assim, é faculdade do incorporador −ou seja, ele pode ou não estipular seu direito de desistência do empreendimento−, e, na hipótese de estipulá-lo, cabe-lhe indicar o correspondente prazo de carência (caput do art. 34 da Lei 4.591), declarando-o como o prevê a letra n do art. 32 da mesma lei, que impõe a fixação dos motivos que justifiquem a eventual desistência, motivos que vinculam o incorporador (Flauzilino Araújo dos Santos, p. 239).. O prazo correspondente −que é improrrogável (§ 6º do art. 34)− e conta-se da data do registro da incorporação (art. 33), não poderá ultrapassar o termo derradeiro da validade desse registro transitório ou, quando se der a hipótese, o de sua revalidação: o limite é de 180 dias mais outros 180 dias (se houver revalidação), nos termos do art. 12 da Lei 4.864/2965 (de 29-11), que alterou o referido art. 33 da Lei 4.591; esse art. 33 preceitua, contudo, que, para revalidar-se o registro, deva atualizar-se a documentação indicada no art. 32 da Lei 4.591.

A desistência da incorporação deve realizar-se mediante denúncia por escrito ao registro de imóveis e comunicação, também por escrito, “a cada um dos adquirentes ou candidatos à aquisição, sob pena de responsabilidade civil e criminal do incorporador (§ 4º do art. 34), averbando-se essa desistência (§ 5º do art. 34) −após sua qualificação pelo registrador (com exame dos motivos correspondentes, que, como ficou dito, são vinculantes para o incorporador), arquivando-se no ofício imobiliário o documento de denúncia.