Sobre o registro das incorporações, instituições e convenções de condomínio (sqq. -sétima parte)

(da série Registros sobre Registros, n. 242)

                               Des. Ricardo Dip

                904. Prosseguindo no tema das certidões exigidas para o registro da incorporação edilícia no ofício imobiliário, convém destacar que a normativa de regência, embora, de par com as certidões negativas de impostos federais, estaduais e municipais (…)” (alínea b do art. 32 da Lei 4.591, de 1964), prescreva também que se apresente “certidão negativa de débito para com a Previdência Social, quando o titular de direitos sobre o terreno for responsável pela arrecadação das respectivas contribuições” (letra f do mesmo art. 32), não exija, contudo, a apresentação de certidões relativas a tributos diversos dos impostos (assim: taxas, contribuição de melhoria, empréstimo compulsório e as diversas contribuições de intervenção no domínio econômico –ad exempla, a relativa à comercialização de combustíveis e à destinada ao Sebrae -Serviço brasileiro de apoio às micro e pequenas empresas– e do interesse de categorias profissionais e econômicas: p.ex., as que se dirigem aos conselhos de fiscalização profissional); tampouco a lei impõe que do título exibido para o registro da incorporação constem certidões relativas a débitos ativos não tributários. Além disso, calha que as penalidades pecuniárias infligidas pela não satisfação das dívidas de impostos não são, sic et simpliciter, impostos, por mais sejam um acidente que de algum modo resida, por acréscimo, na substância desses mesmos impostos.

              Dessa maneira e em rigor, por sua letra, e ainda assim com a modulação constante do § 5º do art. 32 da referida Lei 4.591, apenas se estorvaria o registro da incorporação com a existência, no que diz respeito a débitos ativos tributários e não tributários, de dívidas de impostos, sem abarcar as demais espécies de tributo, nem débitos não tributários ou ainda penalidades monetárias (como o são, p.ex., as, não raras vezes, pesadas multas impostas por infrações ambientais ou ao direito consumerista).

              Parece, contudo, afeiçoar-se à mens legis que todos esses possíveis débitos sejam sopesados pelo registrador –tanto a ele se noticiem em certidões– para avaliar a segurança do empreendimento cujo registro se pretende, ainda que sempre, nas contingentes coisas futuras, riscos que, em absoluto, não se possam afastar. Mas essa ponderação não deve inclinar-se, de modo apriorístico, ao estorvo do registro das incorporações; disse muito bem Caio Mário da Silva Pereira: “Não foge da realidade a lei nem tem a intenção de embaraçar a concretização das incorporações. Longe disso, procura criar-lhe incentivos” (o.c., p. 269). Assim, observando o registrador a previsão de que deva mencionar, em todos os documentos que extraia do registro, a existência e o quantum dos débitos apurados, deixará em mãos do adquirente, dando-lhe notícia bastante para a formação de sua consciência e de seu eventual consentimento, a decisão sobre se deve ou não efetivar negócio aquisitivo de unidade edilícia futura.

                  905. A segunda sorte de certidões prescrita na alínea b do art. 32 da Lei 4.591, de 1964, é a do protesto de títulos.

              As atividades de protesto extrajudicial são próprias de um tabelionato especial de notas, e o protesto de títulos –em toda sua variedade (comum ou especial; por falta ou recusa de aceite, de devolução ou de pagamento de título; para os fins falimentares; o especial de contrato de câmbio; e o extraordinário de títulos que, vincendos embora, adquiram vencimento antecipado por motivo de falência; cf, brevitatis causa, Rogério Tobias, “Recepção de títulos e devolução de documentos -Credor, apresentante e núncio -Casuística”, in VV.AA., Manual do protesto de letras e títulos, coord. João Baptista de Mello e Souza Neto: São Paulo, Quartier Latin, 2017, p. 99 et sqq. )–, repete-se: o protesto de título é, em síntese, uma ata notarial que se especializa –ou melhor, que a lei designa– por ser de protesto e atribui a um tabelião especial, pouco ou nada se distinguindo, entretanto, esse ato de protesto de uma genérica ata notarial de presença de coisa.

              Consiste essa ata de presença, como toda ata notarial, numa narrativa de um fato, sem que nele intervenha o tabelião de modo produtivo ou até mesmo consultivo, e constitui o modelo geral de todas as atas notariais. Seu conceito não é dos mais precisos, nem pode sê-lo, porque seu objeto material –fatos, melhor dito: fatos sensíveis– são de variedade pouco menos do que infinita, de maneira que a narrativa tabelioa pode, nessa ata de presença, dar desde o testemunho do estado físico de pessoas ou de coisas, passando pela conclusão de uma obra, a confirmação de um requerimento, a afirmação de uma entrega de coisas, até dar o testemunho de uma inexecução obrigacional, que, ad summam, é o objeto do protesto de títulos.

              Essas certidões de protesto devem ser exigidas tanto relativamente à comarca de situação do imóvel objeto do empreendimento, quanto –suposto diversas– às comarcas em que sejam domiciliados os titulares de direito sobre esse imóvel e o incorporador (cf. Flauzilino Araújo dos Santos, o.c., p. 221).

              Não diga embora a lei que a existência de protesto de títulos –em nome do incorporador– impeça o registro do empreendimento,  razão parece socorrer o entendimento de Melhim Chalhub ao sugerir ser conveniente “a prestação de esclarecimento por parte do incorporador, quando houver montante de protestos que o justifique, sempre tendo-se em mente que o mecanismo da Lei das Incorporações buscam os meios de assegurar a consecução da incorporação, com a conclusão da obra, averbação da construção e entrega das unidades aos adquirentes, contemplando todo um sistema de proteção dos adquirentes” (o.c., p. 63; abona-o, com citação expressa dessa mesma passagem, Flauzilino Araújo dos Santos, o.c., p. 220, que refere ainda análoga consonância de lição do des. Vicente de Abreu Amadei e do saudoso Vicente Celeste Amadei).

              Desse modo, ainda uma vez, cabe ao registrador verificar, em cada caso, a conveniência não só de exigir esclarecimentos do incorporador acerca dos títulos objeto de protesto, mas ainda de aferir –numa prognose que nem sempre é simples e, no mais, nunca se aparta de incertezas por se reportar a fatos futuros contingentes– se tem o empreendimento indicativos favoráveis a seu bom êxito. Insista-se: a lei, embora trate de resguardar os adquirentes, está em muito dirigida a estimular as incorporações, e, assim o disse com razão Mario Pazutti Mezzari, essa qualificação registral nunca se isenta de um dado “caráter subjetivo” (o.c., p. 197), e, pois, dela não se hão de esperar certezas mais do que sempre relativas. Se, de um lado, não se almeja um registrador negligente ou burocrático, que não se lance a cotejar, com prudência, os informes documentários apresentados, e, portanto, não se dedique a um prognóstico ponderado das expectativas com o empreendimento edilício, deve, de outro lado, considerar-se que tampouco se há de estimular um registrador demasiadamente ocupado em espiolhar dificuldades para, sem fundamentos plausíveis, impedir o registro da incorporação para, com isso, não assumir as responsabilidades próprias de sua elevada função. O ponto clave de equilíbrio nessa qualificação está em sopesar o vulto dos gravames que, objeto de protestos, aflijam o incorporador ou o titular de direitos sobre o imóvel, considerando esses gravames ante a expectativa de sucesso do empreendimento, assim tratando de verificar se os débitos constantes dos protestos são de tal monta que ponham em vistoso perigo o êxito da incorporação. Não se dando esse vulto de risco, melhor é que, com a divulgação oportuna das informações nos documentos que expeça, o registrador deixe aos possíveis adquirentes o juízo acerca de seus próprios interesses, sem exercitar, neste passo, uma função substituinte da ciência e consciência alheias.