(da série Registros sobre Registros, n. 238)
Des. Ricardo Dip
- 897. Cuidemos, pois, da análise –ainda que bastante abreviada– do processo de registro da incorporação imobiliária.
Incontroversa a competência secundum locum para o registro da incorporação –isto é, considerada, a tanto, a situação geográfica do imóvel (cf. art. 169 da Lei 6.015, de 1973, e art. 32 da Lei 4.591, de 1964)–, cabe aqui referir, desde logo, que, ausente embora imperativo legalmente expresso de ser escrita a rogação desse registro, a doutrina tende, com boas razões, a exigi-la. Nesse sentido, Ademar Fioranelli sustenta não bastar ao incorporador a mera apresentação, no balcão do cartório de imóveis, de “toda a papelada e documentos elencados no art. 32 da Lei 4.591/64, o que faz. na maioria das vezes em desordem, sem a sequência que a Lei determina”; prossegue o registrador paulista: “Indispensável requerimento formulado pelo Incorporador, para que a máquina registrária seja acionada. (…) Deverá estar [o requerimento] subscrito pelo Incorporador ou por quem o represente, com a firma devidamente reconhecida (parágrafo único do art. 246 da Lei 6.015/73)” (esse par.ún. do art. 246 da Lei brasileira 6.015 foi renumerado por força da Lei 10.267, de 28-8-2001, passando a constituir o § 1º do mesmo art. 246, mantida, no entanto, a redação anterior, qual seja: “As averbações a que se referem os itens 4 e 5 do inciso II do art. 167 serão as feitas a requerimento dos interessados, com firma reconhecida, instruído com documento dos interessados, com firma reconhecida, instruído com documento comprobatório fornecido pela autoridade competente. A alteração do nome só poderá ser averbada quando devidamente comprovada por certidão do Registro Civil“; a remissão a essa regra, que se refere a averbações, é de compreender-se sob o modo de um recurso analógico). Acrescenta ainda Ademar Fioranelli: “Caso o Incorporador seja pessoa jurídica, do mesmo requerimento deverá constar a data do contrato social ou outro ato constitutivo, seu número de registro na Junta Comercial ou no registro competente; o artigo do contrato ou dos estatutos que delega a representação legal” (in Direito registral imobiliário, 2001, p. 565).
Não diversamente, Flauzilino Araújo dos Santos afirma que o requerimento destinado ao registro da incorporação imobiliária, podendo embora ser feito quer em apartado, quer no bojo próprio memorial da incorporação, exige que a firma do signatário seja reconhecida por tabelião de nota (o que implica, pois, seja requerimento escrito). E diz ainda o autor: “Se reconhecida (a firma) fora da Comarcam para produzir seus efeitos na circunscrição da situação do imóvel, deverá se também reconhecida a firma do tabelião que reconheceu anteriormente a firma do signatário” (Condomínio e incorporações no registro de imóveis, p. 211-2). Além de referir, na linha mesma apontada por Ademar Fioranelli, as exigências relativas ao requerimento de registro formulado por pessoa jurídica, Flauzilino dos Santos observa que, sendo casado o incorporador, deve constar desse requerimento o consentimento conjugal, cuja falta pode suprir-se por via judiciária, ressalvando a hipótese de sua inexigibilidade quando a regência econômica do matrimônio for a da separação absoluta dos bens.
Essas cautelas todas parecem justificar-se, ainda que não correspondam a preceito legal específico, já pela responsabilidade que pesa sobre o incorporador –cuja anuência com o registro deve, pois, ser documentada, o que se obtém com a prova de autoria da rogação–, já no interesse dos futuros adquirentes.
- 898. Realizada a prenotação do título composto pelo requerimento, o memorial descritivo genérico e todos os demais documentos alistados no art. 32 da Lei 4.591, deve o registrador proceder à autuação de todo esse material.
Mais de um doutrinador reporta-se, neste passo, ao disposto no art. 2º do Decreto 55.815/1965 (de 8-5), que assim previa: “Recebido o memorial e os documentos mencionados no artigo anterior, o Oficial do Registro de Imóveis, depois de autua-los, dará recibo ao apresentante, procedendo a seguir no exame dos mesmos, observados os prazos estabelecidos no § 6º, do art. 1º”. Calha, todavia, que esse decreto, como já o deixamos referido, revogou-se pelo Decreto 11, de 18 de janeiro de 1991. De toda a sorte, a providência de autuar os documentos todos que interessam ao registro da incorporação e na ordem do elenco do art. 32 da Lei 4.591 é solução de manifesta conveniência, tanto para facilitar a qualificação registral, quanto, adiante, para favorecer o exame documental por, sobretudo, interessados na aquisição das unidades. Essa autuação, descreve-a Flauzilino dos Santos, consiste “em dar uma capa ao requerimento e aos documentos a ele anexados”, lavrando-se um termo inaugural do ato –nele consignando-se data, número de lançamento no protocolo e alguns dados do requerimento (nome do solicitante, designação e local do empreendimento imobiliário)–, numerando-se e rubricando-se todas as folhas (o.c., p. 213).
- 899. Feito isso, passa-se à fase de qualificação, cujo prazo se prevê no § 6º do art. 32 da Lei 4.591: “Os Oficiais de Registro de Imóveis terão 15 dias para apresentar, por escrito, todas as exigências que julgarem necessárias ao arquivamento (rectius: registro)…”, sucedendo que, lê-se no mesmo dispositivo, “em casos de divergência, o Oficial levantará a dúvida segundo as normas processuais aplicáveis”; quais sejam essas normas –ou regras– processuais veem-se elas nos arts. 198 e seguintes da Lei 6.015/1973; é dizer, pois, que não se cogita de levantamento ou suscitação de dúvida sem pedido antecedente do interessado (lê-se no aludido art. 198 da Lei de registros públicos: “Havendo exigência a ser satisfeita, o oficial indicá-la-á por escrito. Não se conformando o apresentante com a exigência do oficial, ou não a podendo satisfazer, será o título, a seu requerimento e com a declaração de dúvida, remetido ao juízo competente para dirimi-la…” -a ênfase gráfica não é do original).
Têm razão Vitor Frederico Kümpel e Carla Modina Ferrari ao dizer –com aceno à doutrina cônsona de Flauzilino dos Santos e Arnaldo Rizzardo– que o sobrevindo art. 188 da Lei 6.015, assinando em 30 dias o prazo geral da qualificação, não revogara o preceito especial do § 6º do art. 32 da antecedente Lei 4.591, de sorte, pois, que o tempo conferido ao registrador para a qualificação do título composto apresentado para os fins de inscrever-se a incorporação imobiliária nunca deixou de ser, efetivamente, o de 15 dias, previsto na Lei 4.591, aplicando-se a norma do § 2º do art. 2º da hoje designada Lei de introdução às normas do direito brasileiro: “A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior” (Decreto-lei 4.657, de 4-9-1942). Dessa maneira, o advento da Lei 11.977/2009 (de 7-7), que, por seu art. 76, introduziu um novo dispositivo na Lei 6.015 (art. 237-A), indicando o prazo quinzenal para a qualificação do pleito inscritivo de incorporação imobiliária, apenas fez reiterar a norma já vigorante do § 6º do art. 32 da Lei 4.591 (dispõe, assim, o referido art. 237-A da Lei 6.015: “nos registros decorrentes de processo de parcelamento do solo ou de incorporação imobiliária, o registrador deverá observar o prazo máximo de 15 (quinze) dias para o fornecimento do número do registro ao interessado ou a indicação das pendências a serem satisfeitas para sua efetivação”).
Essa mitigação do prazo ordinário da qualificação registral corresponde à notória relevância das incorporações para a vida econômica e social do País, a exigir, o quanto possível, uma dada preferência de tramitação, embora, em alguns casos, a celeridade conflite com os reclamos impostos pela ponderação que reclamem determinadas circunstâncias fáticas ou jurídicas. De todo modo, para robustecer essa preferência na marcha do processo de registro das incorporações imobiliárias, a Lei 4.591 acrescentou uma cominação sancionatória: “O Oficial do Registro de Imóveis, que não observar os prazos previstos no § 6º ficará sujeito a penalidade imposta pela autoridade judiciária competente em montante igual ao dos emolumentos devidos pelo registro de que trata este artigo, aplicável por quinzena ou fração de quinzena de superação de cada um daqueles prazos”. E, claro, sem prejuízo de eventual responsabilização disciplinar e até mesmo civil, suposta, nesta última hipótese, a existência de danos patrimoniais ou até de lesões de natureza moral.
Prosseguiremos.