(da série Registros sobre Registros, n. 262)
Des. Ricardo Dip
939. Tratemos agora, de maneira breve, do registro do parcelamento do imóvel rural, distinguindo, à partida, entre (i) a fragmentação que visa ainda a preservar a exploração rural (lato sensu) das parcelas −é dizer, a segregação que tem o objetivo de conservar a prática das atividades agrícola, extrativa, pecuária ou agropecuária−, e (ii) o parcelamento que se dirige aos fins da indústria, da urbanização ou da formação de chácaras de recreio (cf., brevitatis causa, Vitor Frederico Kümpel e Carla Modina Ferrari, Tratado…, vol. 5, tomo II, p. 23.98 et sqq.).
Apenas o primeiro destes modos refoge da incidência da Lei 6.766, de 1979. Equivale a dizer que o parcelamento de imóvel rural para fins urbanos (abstraída a controvérsia sobre sua constitucionalidade) está sujeito, em princípio, ao registro especial previsto no art. 18 da Lei 6.766, inscrevendo-se no ofício imobiliário, a mudança de destinação do prédio, de rural para urbano, nos termos do que dispõe o art. 53 da mesma Lei 6.766: “Todas as alterações de uso do solo rural para fins urbanos dependerão de prévia audiência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, do Órgão Metropolitano, se houver, onde se localiza o Município, e da aprovação da Prefeitura municipal, ou do Distrito Federal quando for o caso, segundo as exigências da legislação pertinente” (ou seja, deve considerar-se a existência de lei local −do município ou do Distrito federal− inclusiva do imóvel em zona urbana ou de expansão urbana, mas, como adiante se dirá, em vez de “prévia audiência” do Incra, exigível será somente uma simples alteração cadastral).
Tal se vê, é o fim −destinação− do parcelamento o que atrai a normativa que regerá seu registro: se urbana a finalidade dos lotes, aplicar-se-á o disposto da Lei 6.766/1979; se, diversamente, o fim das parcelas for rural, não se dá a incidência dessa lei, mas o de um conjunto de normas que se encontram, principalmente, no Decreto-lei 58/1937 (de 10-12) e no Estatuto da Terra (Lei 4.504, de 30-1-1964) e em seu regulamento (Decreto 59.428, de 27-10-1966), mas também na Lei 5.868/1972 (de 12-12; lei esta que criou o Sistema nacional de cadastro rural) e na Lei 12.651/2012 (de 25-5, arts. 16 e 19; vidē Vicente Celeste Amadei e Vicente de Abreu Amadei, o.c., p. 521-522).
Acrescente-se ainda −e não sem grande importância− o que dispõe o art. 10 da Lei 4.947 (de 6-4-1966): “Fica vedada a inscrição de loteamentos rurais no registro de imóveis, sem prova de prévia aprovação pela autoridade pública competente a que se refere o art. 61 da Lei n. 4.504, de 30 de novembro de 1964. § 1º- São nulos de pleno direito a inscrição e todos os atos dela decorrentes, quando praticados com infração do disposto neste artigo”. O referido art. 61 da Lei 4.504 impunha a aprovação do projeto de parcelamento pelo então existente Instituto Brasileiro de Reforma Agrária, cujas atribuições foram cometidas, de acordo com o art. 2º do Decreto 1.110/1970 (de 9-7), ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária-Incra. Expediu-se por esse Instituto, em 22 de dezembro de 1980, a Instrução normativa 17-B, exatamente para dispor sobre o parcelamento de imóveis rurais, compreendendo o loteamento e o desmembramento (item 1.1) e prescrevendo caber ao Incra, em hipótese de segregação, para fins urbanos, de prédio rural situado em zona urbana ou de expansão urbana, “unicamente, proceder, a requerimento do interessado, à atualização do cadastro rural, desde que aprovado o parcelamento pela Prefeitura Municipal ou pelo Governo do Distrito Federal, e registrado no Registro de Imóveis” (item 2.2); outrossim, na hipótese de parcelamento , para fins urbanos, de imóvel localizado fora de zona urbana ou de localização urbana, determinou-se caber ao Incra apenas “prévia audiência” (item 3.2). Quanto, enfim, ao parcelamento, destinado a fins “agrícolas” (rectius: agrícolas, extrativistas, pecuários e agropecuários), de imóvel rural situado fora de zona urbana ou de expansão urbana, tal como assim o defina lei local, previu a Instrução normativa 17-B a regência “pelas disposições do art. 61 da Lei n. 4.504, de 30/11/64, do art. 10 da Lei n. 4.947, de 06/04/66, dos arts. 93 e seguintes do Decreto nº 59.428, de 27/10/66 e do art. 8º da Lei nº 5.868, de 12/12/72” (item 4.1). Na sequência, os itens 4.2 a 4.8 dessa Instrução normativa cuidam dos requisitos para a “aprovação prévia” (item 4.2) do projeto de loteamento ou desmembramento pelo Incra.
Acontece que, em 27 de março de 2015, ao editar nova instrução normativa (a de n. 82), visando ao estabelecimento de normas e procedimentos relativos à atualização de dados no Sistema nacional de cadastro rural, o Incra revogou, de maneira expressa, a Instrução normativa 17-B: “Ficam revogadas a Instrução Normativa nº 66, de 30 de dezembro de 2010, e a Instrução nº 17-b, de 22 de dezembro de 1980” (art. 35).
Desta maneira, com a revogação da Instrução 17-B, pareceria, pois e prima facie, mais não exigível a aprovação prévia do Incra para admitir-se o registro dos loteamentos e desmembramentos de imóvel rural, cabendo ao registrador imobiliário a aferição da observância das normas aplicáveis. Todavia, é preciso considerar que aparentam vigentes o § 1º do art. 95 do Decreto 59.428/1966 (“De acordo com o art. 10 e seus parágrafos, da Lei 4.947, de 6 de abril de 1966, é vedada a inscrição de loteamentos rurais no Registro de Imóveis, e nulos de pleno direito a inscrição todos os atos dela decorrentes, sem prévia aprovação pelos órgãos a que se refere o presente artigo”) e o art. 10 da referida Lei 4.947 (retro transcrito).
A questão é controversa; a seu propósito, o Incra, por sua Diretoria de Ordenamento da Estrutura Fundiária, emitiu parecer (ofício 148, datado de 16-6-2016), afirmando que, salvo quanto aos projetos de colonização particular, os parcelamentos para fins agrícolas “independem de prévia aprovação do INCRA”, cabendo “às serventias extrajudiciais envolvidas no procedimento a verificação do respeito aos pressupostos jurídicos parta a realização do parcelamento, inclusive: a) a inexistência, no projeto, de parcelas com dimensão inferior à fração mínima de parcelamento; b) a atualidade e correção dos dados constantes no CCIR [certificado de cadastro do imóvel rural]; e c) a não ocorrência de parcelamento irregular do dolo rural para fins urbanos (a efetiva destinação rural deve ser mantida)”.
Sendo assim, compete ao oficial do registro de imóveis exigir dos solicitantes da inscrição do parcelamento de imóvel rural, nos termos do que dispõe o art. 1º do Decreto-lei 58/1937: (i) “um memorial por eles assinado ou por procuradores com poderes especiais, contendo: a) denominação, área, limites, situação e outros característicos do imóvel; b) relação cronológica dos títulos de domínio, desde 30 anos, com indicação da natureza e data de cada um, e do número e data das transcrições, ou cópia autêntica dos títulos e prova de que se acham devidamente transcritos; c) plano de loteamento, de que conste o programa de desenvolvimento urbano, ou de aproveitamento industrial ou agrícola; nesta última hipótese, informações sobre a qualidade das terras, águas, servidões ativas e passivas, estradas e caminhos, distância de sede do município e das estações de transporte de acesso mais fácil”; (ii) “planta do imóvel, assinada também pelo engenheiro que haja efetuado a mediação e o loteamento e com todos os requisitos técnicos e legais; indicadas a situação, as dimensões e a numeração dos lotes, as dimensões e a nomenclatura das vias de comunicação e espaços livres, as construções e benfeitorias, e as vias públicas de comunicação”; (iii) “exemplar de caderneta ou do contrato-tipo de compromisso de venda dos lotes”; (iv) certidão negativa de impostos e de ônus reais”; (v) “certidão dos documentos referidos na letra b do n. I”.
Assinalem-se, por fim, dois pontos. O primeiro, o de que esses documentos devem ser prenotados e autuados, seguindo-se sua qualificação registrária e a publicação de “edital afixado no lugar do costume e publicado três vezes, durante 10 dias, no jornal oficial do Estado e em jornal da sede da comarca, ou que nesta circule” (art. 2º do Decreto-lei 58); o segundo, de que a só existência de certidões positivas referentes a ônus reais, impostos, demandas judiciais e protestos de títulos não impede o registro do parcelamento do imóvel rural (§ 2º do art. 1º do Decreto-lei 58).