Durante o período colonial e imperial, o casamento no Brasil seguia exclusivamente os preceitos do Direito Canônico, ou seja, da Igreja Católica. Como sacramento, ele era considerado indissolúvel. Isso significa que não existia qualquer possibilidade legal de divórcio. Mesmo após a Proclamação da República, com o advento do Estado laico em 1890 e a criação do casamento civil, o divórcio continuou proibido por lei. A única alternativa era a separação de corpos, que permitia que o casal deixasse de viver junto, mas sem dissolver o vínculo matrimonial, o que impedia, por exemplo, novos casamentos civis.
Em entrevista à Anoreg/PR, o historiador Paulo Bumbeer afirma que a aprovação da lei em 1977 foi resultado de um século de profundas mudanças. "Sobretudo no que diz respeito à ascensão do papel da mulher na sociedade ocidental. No Brasil, em específico, a Proclamação da República, em 1889, não foi suficiente para garantir a legalização do divórcio, visto que nem mesmo o voto era garantido às mulheres — fato que ocorreu somente em 1932, de forma oficial —, sem falar na profunda influência que os valores católicos ainda exerciam na sociedade, em que pese o Estado tenha se tornado laico. O Brasil ainda sofreu influência dos movimentos de libertação da mulher e dos impactos socioeconômicos da Primeira e da Segunda Guerras Mundiais, que culminaram com movimentos de libertação sexual e contracultura nas décadas de 1960 e 1970.”
O primeiro projeto divorcista foi apresentado ao Parlamento em 1893, mas acabou arquivado. Ao longo das décadas seguintes, diversos projetos com o mesmo objetivo foram propostos, mas todos acabaram derrubados, principalmente devido à forte influência da Igreja Católica e à resistência dos setores mais conservadores da sociedade brasileira.
A virada histórica começou a se consolidar em junho de 1977, quando, após 26 anos de atuação política incansável, o senador Nelson Carneiro (MDB-RJ), em parceria com o senador Acciolly Filho (Arena-PR), conseguiu aprovar no Congresso Nacional a Emenda Constitucional nº 9/1977, que alterou o trecho da Constituição que proibia a dissolução do vínculo matrimonial. Foi essa mudança constitucional que abriu o caminho para a regulamentação definitiva do divórcio no país.
Em 26 de dezembro de 1977, o presidente Ernesto Geisel sancionou a Lei nº 6.515, conhecida como Lei do Divórcio, que passou a permitir, pela primeira vez, a dissolução legal e definitiva do casamento civil no Brasil. A nova legislação representou uma revolução jurídica e social. Milhares de brasileiros e brasileiras, sobretudo mulheres, puderam finalmente encerrar juridicamente relações falidas e recomeçar suas vidas com respaldo legal, inclusive podendo contrair novo casamento civil. Mas o direito ainda vinha com restrições: o casal deveria estar separado judicialmente há, no mínimo, cinco anos ou separado de fato por pelo menos três anos para ter acesso ao divórcio.
A aprovação da Lei do Divórcio também evidenciou o atraso do Brasil em relação à maioria das nações do mundo. Em 1977, dos 133 Estados-membros das Nações Unidas, apenas outros cinco países ainda não reconheciam legalmente o direito ao divórcio. O Brasil era um deles.
A Constituição de 1988, chamada de “Constituição Cidadã”, reforçou o direito ao divórcio, eliminando restrições e reconhecendo a pluralidade das formas familiares. Estabeleceu que: “é garantido o direito de dissolução do casamento civil pelo divórcio.” Com isso, o processo passou a ser mais acessível e o tempo de separação obrigatório foi reduzido gradualmente até ser eliminado por uma nova emenda constitucional, em 2010.
O ano de 1977 marcou um dos momentos mais intensos e polarizados da história legislativa brasileira no que diz respeito ao direito civil: a discussão no Congresso Nacional sobre a permissão do divórcio. De um lado, lideranças católicas e conservadoras organizaram uma forte resistência contra a aprovação da lei. Convocavam os fiéis a se manifestarem contra o que chamavam de “destruição da família brasileira”, argumentando que o divórcio ameaçava os valores tradicionais e o papel sagrado do casamento. Do outro, movimentos sociais como a Campanha Nacional Pró-Divórcio ganhavam visibilidade. Esses grupos defendiam a mudança na legislação como uma forma de garantir direitos e dar a milhões de brasileiros a possibilidade de regularizar suas situações familiares.
O historiador ressalta que, embora pessoalmente não considere o divórcio algo positivo, a aprovação da lei tornou-se inevitável diante do contexto histórico e social da época. Segundo ele, foi uma resposta necessária às transformações vividas pela sociedade brasileira. “Essa conjuntura se relaciona diretamente à Lei do Divórcio, especialmente pelo fato de que as mulheres foram, historicamente, as maiores beneficiárias da medida. Embora o divórcio também atenda a necessidades legítimas de homens, são as mulheres que, ao longo da história brasileira, mais sofreram com a violência doméstica e outras formas de abuso, tornando a garantia legal da dissolução do casamento uma conquista para sua proteção e autonomia”, complementa.
Em 2007, a Lei nº 11.441 passou a permitir que casais sem filhos menores ou incapazes realizassem o divórcio consensual diretamente em cartório, por escritura pública. Foi o início de uma nova fase nos serviços extrajudiciais. "É sensível e notável a diferença observada nos serviços extrajudiciais desde a promulgação da Lei 11.441, em 2007, que instituiu a possibilidade de realização do divórcio diretamente nas serventias extrajudiciais. O que percebemos, não apenas como titulares de cartórios, mas também acompanhando as demandas que surgiram junto à nossa entidade de classe, aos tribunais e ao Conselho Nacional de Justiça, é que, passado um tempo considerável desde a edição da norma, fica evidente que os tabelionatos têm uma vocação muito clara para o exercício dessa função. Trata-se de um atendimento a uma demanda social de enorme relevância", relata Bruno Azzolin Medeiros, oficial do Tabelionato de Notas de Guaratuba, no Paraná.
O procedimento é relativamente simples. O casal deve comparecer ao cartório munido da documentação necessária, como certidão de casamento, documentos pessoais, comprovante de residência e, se houver, pacto antenupcial e acordo de partilha de bens. Após a análise dos documentos e a verificação da regularidade do pedido, o tabelião lavra a escritura pública de divórcio. Em seguida, basta averbar a dissolução no cartório de Registro Civil onde o casamento foi registrado. Todo o processo pode ser finalizado em poucos dias, sem a necessidade de ação judicial.
“Talvez a maior prova e a evidência mais importante dessa vocação resida justamente na celeridade e na rapidez com que esses procedimentos passaram a ocorrer dentro das serventias extrajudiciais, causando um impacto e uma diferença extraordinária se nós formos comparar com o regime anterior, onde o divórcio necessariamente era judicializado. A velocidade é hoje talvez um dos atributos do divórcio extrajudicial que mais chamam a atenção do público, mas que também não foge à percepção dos próprios tabelionatos e dos órgãos regulamentadores”, afirma o tabelião.
Com o avanço da digitalização dos serviços extrajudiciais e a regulamentação do Provimento nº 100 do Conselho Nacional de Justiça, publicado em 2020, esse procedimento passou a poder ser realizado também de forma on-line. A ferramenta central para isso é a plataforma e-Notariado, criada pelo Colégio Notarial do Brasil e autorizada pelo CNJ para viabilizar atos notariais digitais com fé pública. Assim, casais que desejam se divorciar consensualmente, sem filhos menores ou incapazes, podem realizar todo o processo remotamente, incluindo a assinatura digital e a videoconferência obrigatória, que garante a manifestação de vontade de ambas as partes.
Para utilizar a plataforma digital, o casal precisa de um certificado digital notarizado, que pode ser emitido gratuitamente em qualquer cartório credenciado. A partir disso, o advogado encaminha os documentos eletronicamente, agenda a videoconferência e, após a validação das informações pelo tabelião, a escritura de divórcio é lavrada em ambiente virtual e enviada às partes. O documento tem o mesmo valor legal da escritura feita presencialmente e pode ser imediatamente levado a registro.
“E, em decorrência dessa celeridade e dessa velocidade, outras inúmeras vantagens surgem a partir do momento em que o divórcio no extrajudicial é permitido. Uma que pode ser citada é a própria redução de custos. Tempo é dinheiro. Então, uma resolução rápida de um término de relacionamento pela via extrajudicial, que envolve não só questões emocionais, mas também questões materiais, necessariamente custa menos. Isso também é um impacto muito positivo”, completa Medeiros.
Fonte: Assessoria de Comunicação Anoreg/PR