Na década de 1930, período em que a industrialização se expandia, houve um consequente crescimento do mercado interno e surgimento do negócio jurídico fiduciário. Na década de 1960, o contrato bilateral de alienação fiduciária surgiu no direito privado brasileiro com o propósito de facilitar o financiamento de bens de consumo.
Alienação fiduciária significa "transferir algo com confiança" (fiducia em latim significa confiança), sendo uma forma de garantir o pagamento que se caracteriza pela transferência da propriedade resolúvel de um bem do devedor (fiduciante) ao credor (fiduciário).
O instituto da alienação fiduciária foi introduzido na legislação brasileira pela necessidade de se superar a inadequação da garantia hipotecária, que depende do Poder Judiciário para a sua execução. Com o intuito de permitir maior celeridade no recebimento do crédito, ampliando a circulação de recursos e a realização de negócios, a Lei nº 9.514/1997 dispensou o ajuizamento de ação judicial, prevendo a consolidação da propriedade perante o oficial do registro de imóveis, por exemplo.
O devedor tem o direito de usar o bem caso esteja com o pagamento em dia, mas, apesar dessa posse direta, juridicamente o credor é quem tem a propriedade do mesmo, ainda que a princípio seja temporária (pro tempore). Caso a dívida seja totalmente quitada, a propriedade retorna plenamente ao devedor, sendo o direito do credor extinto. Todavia, caso não haja a quitação total, o credor retomará a coisa, aproveitando o valor obtido com a venda para resolver o seu crédito.
Um dos exemplos mais comuns são os financiamentos oferecidos por instituições financeiras para aquisição de imóveis ou veículos. Portanto, trata-se de uma garantia real, pois há uma vinculação jurídica entre o bem e a obrigação de pagamento. Vale ressaltar que não há proteção aos bens de família e que o credor fiduciário não se submete à falência, pois o tal bem do devedor falido não pertence à massa falida, não podendo ser utilizado para venda forçada e pagamento dos demais credores do devedor em falência.
Apesar de poder ser feita sobre bens imóveis ou móveis, cada tipo de alienação fiduciária é regida por lei específica, sendo o Código Civil (artigos 1.361 a 1.368-B) e o Decreto-lei nº 911/69 incumbidos de regular os bens móveis, enquanto a Lei 9.514/97 (artigos 22 a 33) se refere aos imóveis, podendo o Código Civil ser utilizado supletivamente. Difere-se do penhor e da hipoteca, pois, ao contrário destes casos, na alienação fiduciária o credor já é o proprietário da coisa.
Dos requisitos
A existência da alienação fiduciária depende de três tipos de requisitos: subjetivos, objetivos e formais.
Quanto aos subjetivos, qualquer pessoa natural ou jurídica de direito privado ou público poderá alienar, desde que dotada de capacidade genérica para atos da vida civil e capacidade de disposição, além de ter o domínio do bem dado em garantia a fim de que disponha dele livremente.
Os objetivos dizem respeito ao fato de o bem móvel dado em garantia poder ser fungível ou infungível. Quanto aos bens imóveis, além da propriedade plena, também é possível o direito de uso especial para fins de mora e direito real de uso.
Quanto aos requisitos formais, o instrumento celebrado deverá conter o valor da dívida, o prazo para pagamento, a taxa de juros, a cláusula penal, a estipulação de atualização monetária com indicação dos índices aplicados, a descrição do objeto da alienação e os elementos de identificação. Em caso de bens imóveis, o valor principal da dívida, o prazo do empréstimo ou do crédito fiduciário, a taxa de juros e encargos incidentes, a cláusula de constituição da propriedade fiduciária com a descrição do imóvel e a indicação do título e modo de aquisição.
Das vantagens
A possibilidade da alienação fiduciária fez com que houvesse uma considerável queda no número de imóveis hipotecados, devido às vantagens que trouxe, dentre elas:
a) O fiduciante não pode utilizar o imóvel com mais de uma instituição, o que o impede de contratar mais empréstimos do que pode arcar e por consequência acumular mais dívidas;
b) Não obrigatoriedade de escritura pública do imóvel, fazendo com que seja um procedimento bem menos burocrático;
c) Possibilidade de ser feita em cartório, o que faz com que a via extrajudicial o torne mais célere e mais barato;
d) Pelo fato de a posse não ser totalmente do fiduciário, há uma comodidade do fiduciante em usufruir do bem enquanto as parcelas do financiamento ainda estão sendo pagas;
e) O fiduciário conta com uma segurança jurídica maior, pois, uma vez que assume parcialmente a propriedade do imóvel, torna-se difícil que sofra algum golpe com relação ao pagamento da dívida.
Da execução do contrato
Caso o inadimplemento da obrigação ocorra, o credor deverá constituir o devedor em mora, por meio de protesto e notificação.
No caso de bem móvel, o fiduciário poderá ingressar com ação a fim de requerer a busca e apreensão do bem, tendo o fiduciante cinco dias para pagar seu débito. Caso o mesmo não seja encontrado, tal ação pode se converter em execução. Ressalta-se, contudo, que o credor pode, desde logo, preferir o ajuizamento da execução da dívida, pois a busca e apreensão não passa de mera faculdade.
Após notificação, o fiduciante terá o prazo de quinze dias para resolver a dívida por completo, incluindo, portanto, os juros, as penalidades, os encargos, os tributos, os condomínios e as despesas de cobrança. Caso a quitação não ocorra, o credor, que obterá a propriedade, terá o prazo de trinta dias para promover o leilão (extrajudicial), sendo terminantemente proibido que continue com o bem. Portanto, uma cláusula prevendo que o bem se tornará propriedade plena do credor em caso de descumprimento da obrigação pelo devedor (pacto comissório) se faz nula de pleno direito, conforme o artigo 1.365 do Código Civil [1].
No caso dos bens imóveis, o contrato de alienação fiduciária deve ser levado onde o mesmo estiver matriculado. No caso dos bens móveis, o contrato deve ser registrado em cartório.
Da extinção da propriedade fiduciária
A extinção da propriedade fiduciária torna necessário o cancelamento da inscrição no Registro de Títulos e Documentos ou Registro de Imóveis, de acordo com o tipo de garantia, podendo ocorrer nas seguintes hipóteses:
a) extinção da obrigação;
b) perecimento do bem alienado;
c) renúncia do credor, caso em que o crédito permanecerá sem tal garantia;
d) remição, adjudicação judicial, arrematação ou venda extrajudicial;
e) confusão, caso a mesma pessoa possua qualidades de credor e de proprietário pleno;
f) desapropriação do bem alienado, sendo a dívida considerada vencida;
g) cumprimento da condição resolutiva, antes da cessação de sua finalidade de garantia.
Referências bibliográficas
FUX, Alberto Haim. "Alienação fiduciária: entenda como funciona este tipo de contrato". Jota. Disponível em:
MARTINS, Marcus Vinícius. "O que é e como funciona a alienação fiduciária". 24 abr. 2023. Aurum. Disponível em:
https://www.aurum.com.br/blog/alienacao-fiduciaria/. Acesso em: 05 jul. 2023.
GRAMSTRUP, Erik Frederico. "Alienação fiduciária em garantia". Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Civil. Rogério Donnini, Adriano Ferriani e Erik Gramstrup (coord. de tomo). 1ª ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/471/edicao-1/alienacao-fiduciaria-em-garantia. Acesso em: 05 jul. 2023.
OLIVEIRA, Monica Azevedo Torres de. "Alienação fiduciária". 05 jan. 2016. Jus.com. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/45661/alienacao-fiduciaria. Acesso em: 05 jul. 2023.
Fonte: Conjur