Artigo - Ratificação de registro imobiliário de terras em faixas de fronteira

Artigo - Ratificação de registro imobiliário de terras em faixas de fronteira

José Mauro Rocha

O artigo 1º da Lei nº 13.178, de 22 de outubro de 2015, dispõe que os registros imobiliários referentes a imóveis rurais com origem em títulos de alienação ou de concessão de terras devolutas expedidos pelos estados em faixa de fronteira desde que estejam devidamente inscritos no registro de imóveis até a data de publicação da lei.

O parágrafo 2º do artigo 2º (com redação dada pela Lei nº 14.117/21) exige que os interessados em obter a ratificação dos registros imobiliários referentes aos imóveis rurais com origem em títulos de alienação ou de concessão de terras devolutas expedidos pelos estados em faixa de fronteira terão até 22 de outubro de 2030 (15 anos da publicação da Lei — recente redação dada pela Lei nº 15.206, de 2025) para requerer a certificação e a atualização da certificação do georreferenciamento do imóvel (nos termos dos §§ 3º e 5º do artigo 176 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973) e da inscrição do imóvel no Sistema Nacional de Cadastro Rural (instituído pela Lei nº 5.868, de 12 de dezembro de 1972).

O parágrafo 5º do artigo 2º da referida lei dispõe que, após 22 de outubro de 2030, o órgão federal responsável deverá requerer o registro do imóvel em nome da União ao Cartório de Registro de Imóveis caso a ratificação não seja possível ou o interessado não tenha requerido as providências dispostas nos incisos I e II do caput do artigo 2º, a saber:

“Art. 2º Os registros imobiliários referentes aos imóveis rurais com origem em títulos de alienação ou de concessão de terras devolutas expedidos pelos Estados em faixa de fronteira, incluindo os seus desmembramentos e remembramentos, devidamente inscritos no Registro de Imóveis até a data de publicação desta Lei, com área superior a quinze módulos fiscais, serão ratificados desde que os interessados obtenham no órgão federal responsável: (Vide ADI 5623)
I – a certificação do georreferenciamento do imóvel, nos termos dos §§ 3º e 5º do art. 176 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 ; e
II – a atualização da inscrição do imóvel no Sistema Nacional de Cadastro Rural, instituído pela Lei nº 5.868, de 12 de dezembro de 1972.”

O parágrafo 6º do artigo 2º da referida lei dispõe que ratificação dos registros imobiliários referentes a imóveis com área superior a 2.500 hectares ficará condicionada à aprovação do Congresso Nacional, nos termos do § 1º do artigo 188 da Constituição.

“Art. 188. A destinação de terras públicas e devolutas será compatibilizada com a política agrícola e com o plano nacional de reforma agrária.
§1º A alienação ou a concessão, a qualquer título, de terras públicas com área superior a dois mil e quinhentos hectares a pessoa física ou jurídica, ainda que por interposta pessoa, dependerá de prévia aprovação do Congresso Nacional.”

O § 1º do artigo 188 da Constituição, referido no parágrafo 6º do artigo 2º da Lei nº 13.178/2015, remete diretamente à Competência Exclusiva do Congresso Nacional para aprovar, previamente, a alienação ou concessão de terras públicas com área superior a 2.500 hectares, conforme previsto no artigo 49, XVII, da Constituição.

“Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
XVII – aprovar, previamente, a alienação ou concessão de terras públicas com área superior a dois mil e quinhentos hectares.”

O decreto legislativo é a espécie normativa destinada a veicular as matérias de competências exclusivas do Congresso Nacional, previstas no artigo 49 da Constituição, pois trata-se de proposição deliberada em ambas as Casas do Congresso (Câmara dos Deputados e Senado) que produzirá efeitos fora do âmbito parlamentar e que não depende de sanção presidencial, conforme ensinam, entre outros, os juristas José Afonso da Silva, Uadi Lammêgo Bulos, Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco.

O parágrafo 7º do artigo 2º da Lei nº 13.178/2015 dispõe encaminhamento ao Congresso Nacional para o fim da aprovação do Congresso Nacional dar-se-á nos termos do regulamento. Não foram localizados regulamentos ou instruções normativas sobre a Lei nº 13.178/2015 que indicassem como se daria o encaminhamento ao Congresso Nacional. Vale ressaltar que a competência para expedir regulamentos e instruções para a execução das leis é, respectivamente, do presidente da República e dos ministros de Estado, conforme artigo 84, IV e artigo 87, parágrafo único, II, da Constituição.

“Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
IV – sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução;
Art. 87. Os Ministros de Estado serão escolhidos dentre brasileiros maiores de vinte e um anos e no exercício dos direitos políticos.
Parágrafo único. Compete ao Ministro de Estado, além de outras atribuições estabelecidas nesta Constituição e na lei:
II – expedir instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos;”

Autorização individualizada

A doutrina é clara quanto à necessidade de que cada autorização de alienação deva ser analisada individualmente. José Afonso da Silva, em sua obra Curso de Direito Constitucional Positivo, ensina que a exigência de aprovação prévia pelo Congresso Nacional para alienação ou concessão de terras públicas superiores a 2.500 hectares é uma forma de controle político e técnico do Congresso sobre cada caso concreto, justamente por envolver o patrimônio público e o interesse nacional relacionado ao uso da terra.

Na mesma linha, Uadi Lammêgo Bulos, ao tratar do tema em seu livro Curso de Direito Constitucional, defende que a autorização do Congresso Nacional para a alienação ou concessão de terras públicas com área superior a 2.500 hectares deve ocorrer caso a caso, sendo inadmissível a autorização genérica, sob pena de esvaziamento da função fiscalizadora do Parlamento.

A doutrina se alinha com os precedentes práticos, nos quais a solicitação de autorização prévia para alienação ocorreu em cada caso específico, uma vez que o Parlamento deve se debruçar sobre a conveniência e a oportunidade política da autorização de cada. Trata-se de um controle político, e não meramente técnico-administrativo. Isso significa que são avaliados critérios específicos de cada imóvel como o interesse público, o destino da terra, a localização estratégica, a regularidade fundiária e ambiental, bem como a compatibilidade com políticas públicas, entre outros.

Assentimento do conselho de segurança nacional

O artigo 91, §1º, da Constituição prevê que compete ao Conselho de Defesa Nacional propor os critérios e condições de utilização de áreas indispensáveis à segurança do território nacional e opinar sobre seu efetivo uso, especialmente na faixa de fronteira…

“Art. 91. O Conselho de Defesa Nacional é órgão de consulta do Presidente da República nos assuntos relacionados com a soberania nacional e a defesa do Estado democrático, e dele participam como membros natos:
§1º Compete ao Conselho de Defesa Nacional:
III – propor os critérios e condições de utilização de áreas indispensáveis à segurança do território nacional e opinar sobre seu efetivo uso, especialmente na faixa de fronteira e nas relacionadas com a preservação e a exploração dos recursos naturais de qualquer tipo;”

Já o artigo 1º da Lei nº 6.634, de 2 de maio de 1979 dispõe que “é considerada área indispensável à Segurança Nacional a faixa interna de 150 Km de largura, paralela à linha divisória terrestre do território nacional, que será designada como Faixa de Fronteira”.

O artigo 2º, I, da referida lei exige assentimento prévio do Conselho de Segurança Nacional para a alienação e concessão de terras públicas na Faixa de Fronteira.

“Art. 2º. – Salvo com o assentimento prévio do Conselho de Segurança Nacional, será vedada, na Faixa de Fronteira, a prática dos atos referentes a:
I – alienação e concessão de terras públicas, abertura de vias de transporte e instalação de meios de comunicação destinados à exploração de serviços de radiodifusão de sons ou radiodifusão de sons e imagens;”

Prática

O Projeto de Lei nº 4.497, de 2024, ainda em tramitação no Senado, pretende tornar mais claro e seguro o processo de registro desses imóveis.

Assim, como o PL 4.497/2024 ainda está em tramitação e não foi encontrada regulamentação da Lei nº 13.178/2015, sobretudo, acerca de como dar-se-á o encaminhamento ao Congresso, o interessado pode fazê-lo por meio de ofício ao presidente do Congresso com toda a documentação necessária.

No âmbito do Senado, tal ofício poderá ser autuado e encaminhado à(s) comissão(ões) competente(s). Ao final de sua tramitação, a comissão poderá concluir seu parecer pela apresentação de um Projeto de Decreto Legislativo (PDL), conforme artigo 133, V, a, do Regimento Interno do Senado Federal (Risf).

Apresentado projeto de autoria de comissão, abre-se prazo de cinco dias úteis para apresentação de emendas perante a Mesa, nos termos do artigo 235, II, f, do Risf.

Se apresentadas emendas perante a Mesa, a matéria retornará à(s) comissão(ões) para emissão de parecer sobre as emendas (artigo 277, Risf). Se não forem apresentadas as emendas, será considerada completamente instruída e em condições de figurar em Ordem do Dia, conforme o artigo 277, parágrafo único, do Risf.

Há a possibilidade de um PDL com essa finalidade ser diretamente apresentado por um senador da República por vontade política deste, conforme ocorreu com o PDL 335/2021.

Precedentes

Há três precedentes de projeto de decreto legislativo sobre autorização de alienação ou concessão de terras públicas com área superior a 2.500 hectares: PDS 81/1995, PDS 561/2002 e PDL 335/2021.

Projeto de Decreto Legislativo (SF) n° 81, de 1995 (PDS 81/1995)

Encaminhamento ao Congresso Nacional pela Mensagem nº 036, de 20 de janeiro de 1988, do Senhor Presidente da República, com a Exposição de Motivos do Senhor Ministro da Agricultura e assentimento prévio da Secretaria do Conselho de Segurança Nacional.

O PDL foi apresentado como conclusão do Parecer nº 549/1995 — CAE.

Aprovado no Senado, foi encaminhado à Câmara dos Deputados e recebeu a numeração PDC 180/1995.

Por fim, foi arquivado nos termos do Artigo 105 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, devido ao fim da legislatura.

Projeto de Decreto Legislativo (SF) n° 561, de 2002 (PDS 561/2002)

Encaminhado ao Congresso Nacional pelo Ofício “S” nº 11, de 1982 (ofício nº 0418/82-GG, na origem), datado de 5-5-82, do então Governador do Estado do Pará, sob regência da Constituição Federal de 1967.

O PDL foi apresentado como conclusão do Parecer nº 1.072/2002-CAE.

Aprovado no Senado, foi encaminhado à Câmara dos Deputados e recebeu a numeração PDC 2666/2002.

Por fim, foi aprovado e promulgado pelo Decreto Legislativo nº 805/2003.

Projeto de Decreto Legislativo n° 335, de 2021 (PDL 335/2021)

Encaminhado ao Congresso Nacional pelo Ofício SEI n o 83/2020/ME, de 10 de março de 2020 do ministro da Economia, Paulo Guedes, e assentimento prévio do Conselho de Defesa Nacional e consulta à Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União.

Apesar de o ofício ter sido direcionado ao presidente do Senado, o PDL foi diretamente por uma Senadora da República.

Aprovado no Senado, foi encaminhado à Câmara dos Deputados com a mesma numeração.

Por fim, está aguardando designação de relator(a) na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados.

Referências:

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 34. ed. São Paulo: Malheiros, 2011.

BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2020.

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

Fonte: Conjur