Des. Ricardo Dip
Encerramos a exposição anterior com uma indagação sobre a quais fatores atribuir, no mundo ocidental, a crise contemporânea da família e do matrimônio. A resposta a essa pergunta parece importar para compreender a razão pela qual, a nosso ver, a abolição do processo de habilitação matrimonial poderá influir, de algum modo, no abrandamento dessa crise.
Como já o deixamos dito em pequeno escrito para o boletim INR, dirigido por Antonio Herance, «quando um estado e, com ele, a comunidade por ele governada, tratam de equivaler de algum modo o casamento e a união extramatrimonial de sexo, a percepção dos governados é <normalizada> no sentido do melhor atendimento ao próprio benefício monetário, já que outras possíveis diferenças são suplantadas pela equivalência dos dois institutos».
Essa redução economicista do casamento foi diagnosticada por um autor de nossos tempos, Carlos Martinez de Aguirre, como «processo de subjetivação do matrimônio de família», porque ambas essas instituições −família e casamento− são contempladas, segundo o autor, não mais como realidades objetivas e naturais, mas como institutos subordinados à livre concepção humana, é dizer à «liberdade negativa», sem restrição alguma, seja na esfera individual, seja no ambiente político.
Com efeito, tanto se compreenda que caiba «livremente» criar ou destruir um instituto, é fácil ver que mais se ame e deseje a «liberdade sem limites» −é dizer, a «liberdade negativa»− do que o resultado arbitrário de seu volúvel exercício. Se já, pois, em nossos dias, não se observa o que antes se julgava ser a imutabilidade essencial de institutos jurídicos muitas vezes seculares, permitindo-se, ao revés, que esse institutos se moldem ao mero desejo destrutivo e arbitrariamente conceptivo propiciado à liberdade negativa dos indivíduos e do estado, será que estaríamos, de fato, apenas diante do que se denominou direito soft −um direito que tudo permite, contanto que não aflija uma oposta liberdade negativa de terceiros−, ou, diversa e mais intensamente, estaríamos a caminho de uma reconstrução conceitual preceptiva de um modelo alheio das realidades objetivas e naturais do casamento e da família? É uma indagação que merece considerar-se.
Uma coisa é certa: há um desamor social pelo casamento em nossos tempos. Escreveu Martinez de Aguirre, a propósito «El matrimonio y la familia serán lo que la voluntad de sus miembros quiera que sean; y durarán lo que la voluntad de sus miembros quiera que duren» (Diagnóstico sobre el derecho de familia, ed. Rialp, Madri, 1996, p. 38).
Todavia, se de uma parte, a apontada agonia da habilitação pré-matrimonial tenha de reconhecer-se como resultante dessa menor amorabilidade do casamento e da família, calha dizer, por outra parte, que a extinção do procedimento habilitante propende a atenuar esse desamor, estimulando o casamento civil.