Adoção

Na esfera do direito de família, pode conceituar-se a incorporação a determinada família de uma pessoa a ela estranha, com o estabelecimento de um liame jurídico de paternidade (ou maternidade) e filiação fictícias, pois, entre pessoas que nisso não se relacionam naturalmente.

 

A adoção provém historicamente do interesse na continuidade da estirpe familiar e isso à vista da persistência do culto doméstico. Modernamente, contudo, tendeu essa instituição, de comum, a superar o fundamental escopo religioso, passando a suprir os casamentos estéreis e a remediar a pobreza infantil, tornando-se instituto pessoal, com cariz individualista preponderante (não há mais pensar na arrogatio romana), vindo, episodicamente, mais adiante, a consolar nas famílias a morte de filhos, fato que se apurou, p.ex., nos tempos imediatamente posteriores à Primeira Guerra Mundial (1914-8). Na hora presente, mais do que a mudança dos objetivos originários da adoção, já não se pode, quanto a ela, repetir o aforismo que parecia sempre adorná-la –a adoção é instituto que imita a natureza: adoptio naturam imitatur–, porque se tem diante dos olhos a crescente inclinação dos estados em admitir a adoção por duplas homogenitálias, nas quais não se podem diferenciar, natura congruo, o pai e a mãe do adotado.

 

Ao princípio, é isto lição de Fustel de Coulanges, em seu justamente celebrado La cité antique, era crença, entre os gregos e os romanos, a de que a morte implicava simples mudança do estado de vida, não uma decomposição ou destruição do ser. Não tinham eles, mais além, credo na metempsicose, nem na morada celeste –salvo quanto aos grandes homens e benfeitores da humanidade. A morte, assim pensavam, não consistia na separação da alma e do corpo. Os ritos que seguiam mostram-nos acreditassem que, quando se metia um corpo no túmulo, ali se colocava alguma coisa com vida. Nesses ritos, havia o costume de chamar-se três vezes a alma do morto e dizer-se “a terra te seja leve”: sibi tibi terra levis. Acreditava-se que o morto continuaria a viver debaixo da terra. Daí, prossigamos com a recolha da obra de Fustel de Coulanges, o enterro do morto com objetos, com alimentos, vinho, cavalos, escravos e até com mulheres (p.ex., Polixena foi enterrada com o corpo de Aquiles). É ideia persistente na história humana: vestem-se os mortos com suas melhores roupas; eles almejam ter no outro mundo os mesmos amigos e os mesmos serviços; quando, com os mortos, não se enterram mulheres e animais vivos, pintam-se suas figuras nas tumbas (sepultamentos em efígie); a privação de sepultura, mencionada por Sófocles, na Antígona, e na Ilíada de Homero, consiste numa pena, porque a falta de sepultamento infelicita a vida de seus descendentes: assim indicou Suetônio, referindo-se ao corpo de Calígula, e sabe-se da história dos generais atenienses, heróis de uma batalha naval, condenados à morte por não terem o cuidado de recuperar os corpos mortos de seus soldados.

 

É assim que, tal se recruta da história da Grécia e de Roma, as crenças religiosas deram origem a normas de conduta nas sociedades. Os mortos eram tidos como entes sagrados, sem distinção de pessoas. Eram tidos por “deuses subterrâneos”; seus túmulos, templos. A religião –diz ainda Fustel de Coulanges– é o principal elemento constitutivo da família antiga: esta não se forma pelo nascimento, pelo sentimento ou pela força física, mas por seu caráter religioso (a religião doméstica, o culto dos mortos antepassados). A família antiga é uma associação religiosa, mais que uma associação da natureza. Família, para os gregos, é o que está junto do deus familiar, o deus lar. A participação no culto é o que integra a família: por isso, o emancipado perde sua participação na família e, ao contrário, o adotado a adquire.  Desse modo, as crenças relativas aos mortos constituíram a base da família antiga. Os mortos esperavam a persistência do culto e das oferendas: cessados fossem, os mortos caíam em infelicidade, transformavam-se em demônios. Daí a regra de que as famílias deveriam perpetuar-se para sempre. Família desaparecida é culto morto, mortos infelizes, demônios. Por isso, pune-se o celibato (em alguns lugares é delito). Só o filho nascido do casamento religioso é o que perpetua a religião doméstica. Não o bastardo, o spurius. Cabia o divórcio –o repúdio–, mas era obrigatório quando a mulher era estéril. No caso de o ser o marido, deveria substituí-lo um irmão ou parente próximo; o filho que houvesse era tido como se fora do marido. Também a viúva sem filhos deveria casar-se com o mais próximo parente de seu marido: o filho nascido desse segundo matrimônio era considerado filho do defunto. O nascimento de filha –mulher– não satisfazia ao fim do casamento, porque se ela se viesse a casar mudaria de religião. A entrada de um filho na família não dependia do ato natural do nascimento físico mas de uma declaração do pai, solene, religiosa, que, com essa cerimônia, tinha também o fim de purificar a criança, limpá-la do pecado maculador que os antigos supunham haver com a gestação (vestígio da noção vétero-testamentária do pecado original? Antetipo do batismo cristão?).

 

No âmbito registral, o relevo da adoção, entre nós, é mais destacado para o registro civil das pessoas naturais (cf. arts. 29, § 1º, e,  102, 3º, e 105, Lei 6.015, de 31-12-1973), mas, à vista do que dispõem a Constituição brasileira de 1988 (§ 6º do art. 227: “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”) e, concertadamente, a Lei 8.069/1990 (de 13-7, art. 20: “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”) e o Código civil brasileiro de 2002, há repercussões a considerar no plano do registro predial, senão diretamente, ao menos no espectro da morfologia registrária. Assim, tome-se em conta a norma do Código civil de que “os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação” (art. 1.596): não cabe menção tabular-imobiliária do fato adotivo (enquanto tal), e como “as relações de parentesco se estabelecem não só entre o adotante e o adotado, como também entre aquele e os descendentes deste e entre o adotado e todos os parentes do adotante” (isso era explícito no já revogado art. 1.628 do Código civil; agora, cf. art. 41 da Lei 8.069, de 13-7-1990), cabe considerar “anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido” (art. 496).

 

Não é excessivo aqui indicar que, guardada a antiga proteção inscrita na norma (já revogada: art. 8º da Lei 12.010, de 3-8-2009) do art. 1.625 do Código civil (“Somente será admitida a adoção que constituir efetivo benefício para o adotando”), pela adoção atribuía-se ao adotado a situação de filho (art. 1.626, também revogado), sujeitando-se ele, enquanto menor, ao poder familiar (patria potestas –art. 1.630) e, pois, a ser representado ou assistido pelos adotantes (inc. V do art. 1.634: “Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: … V- representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento”). A matéria agora é objeto principal da

 

Além disso, repercute no registro imobiliário a mudança do sobrenome e até do prenome do adotado (: art. 1.627 do Código civil).

 

É da linguagem jurídica falar-se ainda em adoção de formas para dados atos (p.ex., adotar a forma tabelioa, adoção da forma notarial), em adoção do apelido conjugal (§ 1º do art. 1.565 do Código civil) ou, com o divórcio, a adoção do sobrenome anterior ao casamento (arg. § 2º do art. 1.571 do mesmo Código).