Des. Ricardo Dip
Nos primeiros anos deste século, veio à cena, entre nós, a figura do «patrimônio de afetação», instituído com a Lei 10.931, de 2 de agosto de 2004, que alterou a Lei 4.591/1964 (de 16-12), ou seja, a disciplina do condomínio edilício e das incorporações imobiliárias.
O longo art. 31-A que se acrescentou a essa Lei 4.591 dispõe em seu caput: «A critério do incorporador, a incorporação poderá ser submetida ao regime da afetação, pelo qual o terreno e as acessões objeto de incorporação imobiliária, bem como os demais bens e direitos a ela vinculados, manter-se-ão apartados do patrimônio do incorporador e constituirão patrimônio de afetação, destinado à consecução da incorporação correspondente e à entrega das unidades imobiliárias aos respectivos adquirentes».
E lê-se no art. 31-B da mesma lei: «Considera-se constituído o patrimônio de afetação mediante averbação, a qualquer tempo, no Registro de Imóveis, de termo firmado pelo incorporador e, quando for o caso, também pelos titulares de direitos reais de aquisição sobre o terreno».
Que se entende juridicamente por «afetação»?
O vocábulo «afetação» provém do substantivo latino affectio, affectionis (cf., por todos, Antônio Geraldo da Cunha), e, entre suas várias acepções, parece bem que aqui se destaquem as de «relação», «disposição«, «estado», «modo de ser», «posição«, «inclinação» (veja-se Francisco Torrinha). É dessa mesma palavra affectio que deriva nosso vernáculo «afeição».
Juridicamente, o conceito de «afetação» assina-se por uma referência teleológica: uma coisa «afetada» é uma coisa «destinada«, é dizer, uma coisa que se relaciona com um fim, inclina-se a ele, dispõe-se a ele, tem um modo de ser dirigido a esse fim. Dessa maneira, num primeiro aspecto, afetar é impor uma finalidade.
O que há pouco se referiu, com o texto do art. 31-A da Lei 4.591, põe à mostra o fim do regime de afetação nas incorporações imobiliárias: os imóveis e as acessões objeto dessas incorporações destinam-se a assegurar a conclusão das obras e a entrega das unidades imobiliárias a seus adquirentes.
Mas aí se trata de um regime peculiar que não exaure outras hipóteses de afetação: p.ex., quando, em um processo judicial relativo à prestação de alimentos, impõe-se que uma cota do salário do alimentante seja destinada ao beneficiário, aí se tem uma «afetação».
Além, pois, de uma afetação convencional −que, como visto, é a situação prevista na Lei 4.591−, pode haver afetação judicial e também outra, administrativa, quando se destinam bens ao uso comum do povo ou a um uso especial.
A afetação de coisas −móveis ou imóveis− importa numa separação jurídica dessas coisas, que ficam, pois, em estado de reserva para a garantia do cumprimento de alguma obrigação. É interessante, a propósito, o que observou De Plácido de Silva, para quem, no âmbito do direito civil, a afetação de um imóvel é quase sinônimo de hipoteca.