Para encerrar, nesta série “Claves notariais e registrais”, este largo capítulo sobre o bem de família, trataremos aqui de sua desafetação, tal como ela se prevê no art. 1.719 do Código civil brasileiro de 2002: “Comprovada a impossibilidade da manutenção do bem de família nas condições em que foi instituído, poderá o juiz, a requerimento dos interessados, extingui-lo ou autorizar a sub-rogação dos bens que o constituem em outros, ouvidos o instituidor e o Ministério Público”.
Duas as hipóteses preveem-se nesse dispositivo: (i) a da extinção do bem de família e (ii) a de subrogação de seu objeto em outra coisa.
Desafetar é remover uma precedente afetação, é alterar sua destinação anterior, o que, tratando-se do bem de família, pode dar-se, como consta da Código civil, com a abrogatio (supressão, exclusão do fim a que se destinava o bem) ou a sub-rogação −que, cuidando-se de imóvel, é solução preferencial segundo a normativa: “Sempre que possível, o juiz determinará que a cláusula recaia em outro prédio, em que a família estabeleça domicílio” (§ 1º do art. 20 do Decreto-lei n. 3.200, de 19-4-1941, diploma cuja vigência é controversa: admite-a Ademar Fioranelli).
Há no Código civil brasileiro em vigor três modos de abrogatio ꟷsupressio simplexꟷ da clausulação do bem de família: (i) o da mera vontade do instituidor (parte final do art. 1.717 e par.ún. do art. 1.721), (ii) o da mudança de fato do destino do prédio e (iii) o do fundamento residual: outros motivos relevantes, cabendo considerar com bastante atenção, neste passo, a possível incidência da regra do Código de processo civil brasileiro de 2015: “O juiz não é obrigado a observar o critério de legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a solução que considerar mais conveniente ou oportuna” (par.ún. do art. 723).
Quanto à sub-rogação prevista no art. 1.719 do Código civil, pode o juiz autorizá-la, com prévia audiência ao instituidor e ao Ministério público. Subrogar é o mesmo que substituir, transferir, vocábulo que adveio do verbo latino subrogo (infinitivo subrogare), cujo significado próprio é o de propor um candidato (rogator é o que pede votos) no lugar de outro (cf. Torrinha), e, de modo ampliado, é pôr alguém ou algo em lugar de outro ou outra coisa.
Pode a subrogação dividir-se em real (quando um objeto jurídico toma o lugar de outro objeto) e pessoal, quando um sujeito jurídico assume o lugar de outro; e a pessoal, por sua vez, pode ser negocial (convencional; cf. art. 347 do Cód.civ.), ou legal (v.g., art. 346), quando se efetiva ope legis, sem a necessidade de consenso expresso.
De caráter real é a subrogação indicada no art. 1.719 do Código civil brasileiro, dando-se a substituição de um objeto precedente por um outro, dito objeto substituinte.
Exigem-se a apreciação e a decisão judiciais para a extinção simples e para sub-rogação do bem de família, impondo-se a instauração de processo de jurisdição voluntária, nos termos do que dispõe o atual Código de processo civil brasileiro (arts. 719 et sqq.).
Para averbar-se no registro imobiliário (livros 2 e 3) a supressio simplex, são bastantes o alvará judicial de desafetação ou o mandado, certificado que esteja o trânsito em julgado da sentença (cf. art. 259 da Lei n. 6.015/1973). Quanto à sub-rogação, o registrador procederá a essas mesmas apontadas averbações, registrando-se, além disso, nos mesmos livros 2 e 3, a instituição substituinte (ou sub-rogada).