Bloqueio registral (segunda parte)

Coube à jurisprudência administrativa (passe o termo) adotar uma posição acerca do bloqueio registral, que, de um lado, prestigiava o contraditório e o interesse de terceiros, mas, de outro lado, impedia a continuidade de uma ofensa à segurança jurídica. Daí o que veio a denominar-se bloqueio registral cautelar.

Em parecer num dado processo que transitava pela Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo (Recurso CG 38/87), um juiz paulista fez a referência de que esse bloqueio registrário foi uma providência adotada na via administrativa-judicial em tempo anterior à Lei 6.015/73: apontou-se origem no Processo 103, de 1972, da 1ª Vara de Registros Públicos da Capital de São Paulo. É fato que, tornando-se medida não de todo rara, foi, de algum modo, aceita por julgados do Tribunal de Justiça de São Paulo, e, na sequência, paulatinamente, acolhida de maneira alargada (até mesmo por atuações ex officio de registradores, no uso −e abuso− das correções dos “erros evidents”). Todavia, esse bloqueio necessitava de meditações que definissem seus supostos e fins, porque se iam delineando hipóteses distintas e expansivas para sua incidência, não só restritas à pauta inaugural que era o da duplicidade de linhas filiatórias, da incompetência territorial e da multiplicação de matrículas para um mesmo imóvel. Desse mesmo parecer na Corregedoria Geral paulista consta que o bloqueio do registro se aproximaria do assento de contradição −Widerspruch− do direito alemão, porque ambos não acarretam o cancelamento das inscrições, mas, com função cautelar, procuram de algum modo a correção de um erro registral. Diversamente, entretanto, do que passa com o assento germânico de contradição, o bloqueio registral brasileiro não se limitava a excluir os efeitos da boa-fé de terceiros, nem era obstáculo para a usucapião tabular

Martin Wolff disse que a finalidade do assento de contradição é a de assegurar um direito real acerca do qual possa depois solicitar-se uma retificação. Isto não encerra nem cancela o registro, ou seja, não inibe o exercício da disponibilidade secundum tabulam. Aqui se vê o ponto nuclear de seu confronto com o bloqueio: o que se inscreve depois do assento de contradição pode ser ineficaz, secundum eventum litis rectificātiōnis, ao passo em que o bloqueio então admitido na praxe pretoriana e cartorária brasileira impedia o exercício da faculdade de dispor, e este foi, efetivamente, o flanco mais frágil de sua instituição, porque, assim o viu muito Narciso Orlandi Neto, o bloqueio, ao interditar a disponibilidade, afrontava a garantia constitucional de domínio (item XXII do art. 5º da Constituição federal brasileira de 1988: “é garantido o direito de propriedade”); é dizer que, a pretexto de inibir uma ofensa à segurança jurídica, praticava outra.

A bem da verdade, com o só fato de, no Brasil, norma subconstitucional, a Lei 10.931, de 2 de agosto de 2004, prever-se o bloqueio registral −cf. §§ 3º e 4º do art. 214 da Lei n. 6.015, de 1973, assim dispondo:

“§ 3º Se o juiz entender que a superveniência de novos registros poderá causar danos de difícil reparação poderá determinar de ofício, a qualquer momento, ainda que sem oitiva das partes, o bloqueio da matrícula do imóvel.

  • 4º Bloqueada a matrícula, o oficial não poderá mais nela praticar qualquer ato, salvo com autorização judicial, permitindo-se, todavia, aos interessados a prenotação de seus títulos, que ficarão com o prazo prorrogado até a solução do bloqueio”−,

não parece que se tenha erguido força bastante, no plano lógico, para eliminar a crítica de Narciso Olandi Neto acerca da ofensa à faculdade dispositiva do dominus. Com efeito, se o bloqueio pretoriano se entendia inconstitucional, não era, em rigor, por lhe faltar lei em que se apoiasse, mas, isto sim, porque ofendia a garantia constitucional do direito de propriedade. E essa crítica sobre a incompatibilidade vertical do bloqueio não parece solvida por sua só instituição infraconstitucional.