Bloqueio registral (terceira parte)

Nada obstante ser bastante discutível a compatibilidade vertical das normas dos §§ 3º e 4º do art. 214 da Lei brasileira n. 6.015, não é demasiado admitir que a providência de bloqueio cautelar, contanto que garantido o exercício do contraditório (lê-se no § 1º do mesmo art. 214: “A nulidade será decretada depois de ouvidos os atingidos”), ostenta benefícios para a tranquilidade dos credores e o interesse público, e de algum modo sobrevive a possibilidade de disposição do bem, ainda que esteja limitada ao âmbito da inscrição “provisória” no protocolo, permitindo-se “aos interessados a prenotação de seus títulos, que ficarão com o prazo prorrogado até a solução do bloqueio” (parte final do § 4º do art. 214).

Prevaleceu com essa previsão do art. 214 da Lei 6.015 a tese da neutralização das presunções opostas, enquanto se aguarde a regular retificação, de maneira que não persevera a mais antiga das inscrições, suspendendo-se a eficácia legitimadora das inscrições confrontantes.

Antes mesmo da vigência da Lei 10.931/2004 −que instituiu o bloqueio registral− o Superior Tribunal brasileiro de Justiça admitira o mesmo bloqueio tabular, como se pode recolher dos julgamentos do RMS 15.315 e do RMS 3.297, e essa orientação ali perseverou depois da edição da nova lei (p.ex., RMS 28.466, AgInt no RMS 47.087, RMS 21.423, AgRg no REsp 1.412.637, AgRg no REsp 1.408.475).

Tenha-se em conta que direitos potencialmente reais contraditórios podem tanto ser de natureza absoluta (contradictoria proprie dicta), quanto de natureza relativamente oposta (relativa oppositio). São direitos que derivam de títulos com potencialidade para atualizar-se, mas, ora insuscetíveis de coexistência permanente (contradição absoluta), ora apenas podendo conviver com atualização sucessiva (contradição relativa). Assim, os títulos, material e formalmente, podem coexistir, mas não o podem os direitos reais resultantes da atualização registral.

Serpa Lopes refere-se à anulação recíproca dos direitos reais contraditórios traduz a indicação de que as presunções tabulares opostas entre si são, ipso facto (ou ipso tabula), infirmadas −é o que se designa de neutralização das presunções oponíveis.

Essa neutralização deriva da circunstância notória de que presunções relativas contrapostas entre si não podem preservar-se simultaneamente, porque isto molestaria o princípio de não contradição: algo não pode ser e deixar de ser, ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto, e esse princípio cobra força tanto no plano ontológico, quanto no lógico, de maneira que as proposições contraditórias entre si se destroem mutuamente.

Acórdão do STJ, sob a condução da Min. Fátima Nancy Andrighi −que foi Corregedora Nacional da Justiça−, indicou, no julgamento do REsp 1.133.451 (27-3-2012), algumas notas características do bloqueio registral, extraindo-se do julgado a neutralização ou suspensão do efeito da legitimatio tabulæ:

“Pelas disposições da Lei de Registros Públicos, o bloqueio da matrícula é ato de natureza provisória, a ser tomado no âmbito de um procedimento maior, no qual se discuta a nulidade do registro público. A lavratura de escritura de compra e venda sem a apresentação de certidão previdenciária é nula, pelas disposições do art. 47 da Lei 8.212/91. Assim, o bloqueio seria razoável no âmbito de uma discussão acerca dessa nulidade.

(…) Do ponto de vista prático, o bloqueio produz efeitos em grande parte equivalentes ao do cancelamento da matrícula, uma vez que torna impossível, ao proprietário de imóvel com matrícula bloqueada, tomar qualquer ato inerente a seu direito de propriedade, como o de alienar ou de gravar o bem.”