Cancelamento (quarta parte)

Ainda que, no campo do cancelamento registral, estejam reportadas à ordenação jurídica positiva espanhola, merecem atento exame as lições de Roca Sastre, que divide os modos de extinção das inscrições imobiliárias em cinco espécies, a saber: (i) o cancelamento, (ii) a caducidade, (iii) a retificação, (iv) o registro de transferência e (v) a renúncia abdicativa (Derecho hipotecario, 1995, tomo III, p. 126 et sqq.).

Deixemos para adiante a consideração específica do «cancelamento», cuidando agora e por primeiro das demais espécies de extinção das inscrições prediais. Tem-se a caducidade registral com a extinção da eficácia de uma inscrição ante o só decurso de tempo segundo uma disposição legal. Lê-se, a propósito, na doutrina de Morell y Terry: “En general, caduca una inscripción cuando pierde su fuerza y vigor o queda sin efecto, ya por su propio contenido del que resulta que tiene una duración limitada, ya por disposición expresa de la ley, haciéndose en uno y otro caso innecesaria la expresión de la voluntad de los interesados para tal efecto, o la declaración judicial o administrativa de la extinción” (Comentarios a la legislación hipotecaria, 1928, tomo III, p. 428). Mais resumida e muito clara é esta noção de caducidade que ensina Lacruz Berdejo: “La caducidad deja ope legis sin valor alguno un asiento, en virtud del transcurso del tiempo” (Lecciones de derecho inmobiliario registral, 1959, § 39). Cabem aqui, ao menos, duas observações: primeira, a de que a caducidade atua ipso iure, é dizer em outras palavras: automaticamente, pelo só decurso do prazo que a tanto esteja indicado em lei; segunda observação: a caducidade opera efeitos limitados à inscrição, sem nada afligir o título ou o direito a que se refira essa inscrição. Para o direito brasileiro, parece moldar-se à caducidade o lançamento no livro do protocolo do registro (livro n. 1), como se extrai da regra do art. 205 da Lei 6.015/1973, aqui com esta redação que lhe deu a Medida provisória 1.085/2021 (de 27-12): “Cessarão automaticamente os efeitos da prenotação se, decorridos vinte dias da data do seu lançamento no Protocolo, o título não tiver sido registrado por omissão do interessado em atender às exigências legais”. A caducidade registral é, de comum, relacionada à inscrição provisória, e não estará de todo em desacerto considerar a prenotação como uma espécie de inscrição provisória. Sublinhe-se, por fim, que a caducidade tabular não exige necessariamente sua mesma inscrição −ainda que isso possa ser conveniente−, pois essa espécie de extinção emerge, como visto, de maneira tácita, ope legis temporisque.

A segunda espécie extintiva da inscrição predial, conforme a lista de Roca Sastre, é a retificação tabular, por meio da qual se substitui um assento inexato ou errôneo por outro que o emenda. Em boa parte das vezes, essa extinção do assento anterior pela nova inscrição é parcial, substituindo-se palavras ou algarismos incorretamente lançados (retificação mista), ou somente acrescentando-se dados faltantes (retificação positiva), ou ainda apenas excluindo-se menções incorretas (retificação negativa). Pode ocorrer, entretanto, que a retificação seja totalmente extintiva do assento anterior, quando, p.ex., tenha este sido lançado em matrícula diversa da em que deveria inscrever-se. 

A terceira espécie elencada é a do registro de transferência.  Aqui se trata do que, entre nós, Afrânio de Carvalho denominou cancelamento «por modo indireto», sustentando a propósito: “(…) a extinção dos direitos reais imobiliários dá-se também por modo indireto, isto é, por transferência desses direitos a outra pessoa, quando então aparece a face negativa da aquisição desta” (Registro de imóveis, 1977, p. 158). Assinale-se que essa espécie extintiva, a do registro de transferência, atinge a eficácia atual do assento anterior, ou seja, a atualidade de sua força dispositiva, sem que se deva estender sua extinção a ponto de ignorar seu papel de elo no encadeamento consecutivo dos registros (princípio da consecutividade ou da continuidade).

A quarta das espécies que referiu Roca Sastre acerca das extinções dos assentos registrais é a renúncia abdicativa, seja a que atinja o próprio direito objeto da inscrição, seja que −mediante simples consentimento formal− importe em abdicação do próprio registro (para o direito brasileiro vigente, cf. o inc. II do art. 250 da Lei 6.015: far-se-á o cancelamento “a requerimento unânime das partes que tenham participado do ato registrado, se capazes, com as firmas reconhecidas por tabelião”, sem que se impeça possa o credor, quando, cancelado o registro, subsistirem, porém, o título e os direitos dele resultantes, “promover novo registro, o qual só produzirá efeitos a partir da nova data” −art. 254). 

Prosseguiremos, com o exame específico do cancelamento.