O cancelamento registral (latiore sensu, ou seja, abrangendo o encerramento de uma inscrição) é sempre dotado de efeitos registrais negativos, embora caiba discriminar a extensão desses efeitos. Uma coisa, p.ex., é cancelar um registro em vista de sua nulidade direta (ou formal: falta de observância dos requisitos da própria inscrição afligida) ou indireta (material: nulidade do título que amparou o registro cancelado). Outra coisa, muito diversa, é «cancelar» (rectius: encerrar) uma dada matrícula por exaustão do imóvel seu objeto, ou «cancelar» um registro por esgotamento do direito inscrito (v.g., o registro de uma hipoteca, quando o devedor satisfaz o débito garantido).
Diversamente da lacuna da normativa brasileira em enunciar as espécies de cancelamento registral, alistou-as a Ley hipotecaria espanhola (Decreto de 8-2-1946), em seu art. 79:
“Podrá pedirse y deberá ordenarse, en su caso, la cancelación total de las inscripciones o anotaciones preventivas:
Primero. Cuando se extinga por completo el inmueble objeto de las mismas.
Segundo. Cuando se extinga también por completo el derecho inscrito o anotado.
Tercero. Cuando se declare la nulidad del título en cuya virtud se hayan hecho.
Cuarto. Cuando se declare su nulidad por falta de alguno de sus requisitos esenciales, conforme a lo dispuesto en esta Ley”.
Assim, de acordo com esse dispositivo, o cancelamento registral poderá ter por objeto quer uma inscrição definitiva (é dizer, registro em sentido estrito e averbação), quer uma inscrição provisória (seja em acepção restrita, seja a prenotação).
A primeira espécie de cancelamento contemplada nesse art. 79 da Lei espanhola é a da plena exaustão do imóvel objeto do fólio real (talvez possa melhor dizer-se: plena exaustão da quantidade do imóvel tabular; isto implica a integral ausência de sua disponibilidade, embora nem sempre essa disponibilidade persista quando ainda permaneça algum remanescente do imóvel, tal se dá quando a área sobrante seja inferior à legalmente alienável). A segunda hipótese de cancelamento na lei espanhola é a da plena extinção do “derecho inscrito” (o que mais corresponde, no tendencial sistema de publicidade constitutiva adotado no Brasil, à extinção completa de um direito constituído com a inscrição). A terceira das espécies de cancelamento da normativa hipotecária espanhola é a da nulidade do título objeto de alguma inscrição, e a quarta hipótese é a nulidade do próprio assento registral, por faltar-lhe algum dos requisitos essenciais.
Há no vigente Código de registo predial português (Decreto 224, de 6-7-1984, com as alterações vigorantes em em 24-3-2002), muitas referências ao «cancelamento» do registro, adotando-se, a propósito, noção que aparenta abranger as hipóteses de «encerramento registral»; assim ao admitir, no art. 10º, que os efeitos do registro imobiliário se transfiram a um novo registro por meio de caducidade ou de cancelamento, este último conceito parece compreender o de encerramento implícito (que Afrânio de Carvalho designou, entre nós, “cancelamento indireto”). No entanto, a lei vigente de Portugal distingue as hipóteses de caducidade tabular e de cancelamento do registro, ao prever, no art. 11º do Código, que os registros caduquem “por força da lei ou pelo decurso do prazo de duração do negócio”, prescrevendo-se a anotação da caducidade (n. 4 do art. 11º: “A caducidade deve ser anotada ao registo, logo que verificada”).
Prosseguiremos.