Cancelamento (quinta parte)

                  Não é tarefa isenta de complexidades a de distinguir, no direito registral, de um lado, o cancelamento de inscrições, de outro, o encerramento delas, ainda que, em algumas situações, pareça mais clara a diferenciação desses dois modos inscritivos.

              O cancelamento registral, em sentido rigoroso, acarreta o exaurimento de uma inscrição (seja registro, seja averbação, seja lançamento no livro do protocolo, ou até nos indicadores), de tal maneira que sua eficácia parece ser plenamente negativa; seu efeito, pois, estaria em inutilizar integralmente o assento cancelado. O que se há de entender por essa inutilização integral ou plena é uma tendencial completa ausência de efeitos pretéritos e presentes quanto ao assentamento cancelado. Poderia dizer-se: é como se a inscrição cancelada nunca tivesse existido, além de não ter existência atual.

              Diversamente, o encerramento registral, igualmente em acepção rigorosa, nega a efetividade atual de uma inscrição, sem, contudo, recusar não só seu efeito pretérito, mas, além disso, sem rejeitar a potencialidade de sua consideração persistente, como se dá no plano do encadeamento de registros para o controle de sua consecutividade (ou continuidade).

              Acontece que, adotados esses dois sentidos rígidos, o cancelamento registral apenas estaria cifrado a uns pouquíssimos casos, assim, por exemplo, os de nulidade da inscrição cancelada ou os de renúncia meramente formal. Ali, porque o nulo não produz efeito algum; e, quanto à renuntiatio mere formale, ela, no estreito campo do registro, aflige a inscrição anterior como se esta não estivesse existido (embora caiba salientar que isto não exclui possa haver algum prejudicado com o cancelamento por força de renúncia somente formal −ou seja, voltada apenas a cancelar uma inscrição−, a quem não só se faculta diligenciar nova inscrição do título, mas também propor demanda indenitária). O usus loquendi, entretanto, na praxe registral não beneficia o uso restritíssimo do termo «cancelamento», assim o que o limitaria a essas hipóteses escassas.

              Considere-se, por outro aspecto, a relevância −em face do título a que se refira− de uma dada autonomia do cancelamento registral no direito brasileiro. Tome-se aqui, a título ilustrativo, a hipótese de inscrições relativas a escrituras autorizadas por notários legalmente impedidos (p.ex., escrituras autorizadas durante fruição de férias regulares ou no curso de cumprimento de penalidade de suspensão). Ora, ainda que se declare a nulidade dessas escrituras, a eficácia de seus registros no ofício imobiliário persistirá até o eventual regular cancelamento; é isto o que se lê, com todas as letras, no art. 252 da Lei n. 6.015: “O registro, enquanto não cancelado, produz todos os efeitos legais ainda que, por outra maneira, se prove que o título está desfeito, anulado, extinto ou rescindido”). Tanto se vê, não se trata apenas de que a legitimação do registro predial chegue ao limite de dar efeito ao nulo (anda que de maneira transitória), mas, além disso, de que a formalização do cancelamento −ato negativo, embora− tenha o consequente positivo de extinguir a eficácia de um título.