Consciência do Notário e Consciência do Registrador (décima-segunda parte)

 

Continuaremos agora no tema da educação e retificação da vontade, em ordem à formação da consciência moral.

Considerada sob a perspectiva ética, a vontade é a potestade racional para eleger e executar uma determinada conduta, perseverando em sua realização.  Trata-se, pois, de um poder, em dada medida, submetido à razão: a vontade é um apetite racional; uma potência que emana da razão. Sem embargo dessa secundariedade do apetite volitivo em face da razão, reiteremos que a vontade muito coopera para que bem se forme a inteligência, porque o entendimento exige atenção e aplicação, que somente podem preservar-se com um empenho de constância, o que depende da ajuda da vontade. 

Já o fizemos ver, com apoio em doutrina segura, que o problema central da vontade é o egoísmo, o desordenado amor de nós próprios, ou, por outros aspectos ou nomes, o egocentrismo, a egolatria, o narcisismo, a pretensão de uma autonomia absoluta −liberdade negativa.  

Todavia, sem detrimento dessa referência ao defeito principal da vontade, é possível apontar algumas de suas deficiências particulares: ad exemplum, a irresolução −vontade irresoluta é a dos que não sabem decidir-se por uma coisa ou sua oposta; ou que, depois de se decidirem, impressionam-se sem maiores motivos pelos argumentos anteriormente desfiados em favor da oposta; ou ainda a dos que sempre voltam de uma posição a outra, quando não se inclinam, de modo transitório, por uma terceira (cf., neste passo, as sábias observações de Bethléem). Há casos em que se chega a dizer exista uma abulia da vontade; certa feita, de um político irresoluto se afirmou (é uma anedota, claro) que reclamava quando tinha de decidir se bebia seu cafezinho com açúcar ou sem. Mas, como ensinou o há pouco referido René Bethléem, “a decisão é a primeira condição duma vontade séria”.

Outro defeito particular da vontade é o medo irracional, o receio irrazoável, insensato, enfermiço, que angustia, assombra e paralisa o ânimo; esse medo combate-se com a ação, afrontando-se o medo desarrazoado.

Uma temível deficiência da vontade é a inconstância na execução do que se decidiu agir. Nas obras que exigem larga duração de tempo ou esforços muito dispendiosos, é muito necessário que se tenham presentes os hábitos da longanimidade e da magnanimidade, para que a vontade, ensinada pela inteligência acerca da obra a realizar, revista-se de paciência para enfrentar as adversidades.

Tal se vê, com estas indicações sumárias, há um conjunto de inclinações idôneo a beneficiar a vontade: essas inclinações ou tendências podem ser educadas, ou talvez melhor se diga: podem ser adquiridas, a ponto de fazerem-se uma segunda natureza em cada pessoa. Trata-se dos hábitos. Deles cuidaremos, brevemente, na próxima explanação desta série.